segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Críticas à parte

Álvaro Pereira Jr.
Da Folha de São Paulo

Por que o rock de guitarras, de preferência feito numa garagem, é visto como mais respeitável do que o pop comercial de Christina Aguilera e Nelly? Por que os críticos adoram gênios roqueiros solitários, mas desprezam astros pop, que cantam músicas de outras pessoas e fazem parte de esquemas de marketing?

Esse contraste entre rock "verdadeiro" e pop está no centro de dois textos recentes e importantes. O primeiro, do crítico Kelefa Sanneh, saiu no "New York Times". Ele pergunta por que a crítica mais tradicional é tão presa ao modelo estabelecido de rock: brancos, em geral heterossexuais, que fazem um determinado tipo de música, seguindo regras preestabelecidas. Essa atitude conservadora dos críticos é chamada por Sanneh de "roquismo". Segundo o jornalista, o "roquismo" seria o responsável, por exemplo, pela rejeição da crítica à "disco music" (porque "disco" era coisa de negros e homossexuais).

O segundo texto é o livro recém-lançado "Quem Tem um Sonho Não Dança", do brasileiro Guilherme Bryan, sobre o pop rock do Brasil nos anos 80. Um dos destaques é o confronto entre a crítica paulista e as bandas alegrinhas do Rio (Blitz, Kid Abelha). O paralelo com o artigo de Sanneh é total: Guilherme Bryan descreve um panorama em que críticos "roquistas" desprezavam a música solar dos cariocas.
Na definição de Kelefa Sanneh, o "roquista reduz o rock'n'roll a uma caricatura, depois usa essa caricatura como arma". No caso da crítica paulista dos anos 80 (e dos 90, e do século 21...), a caricatura eram as bandas inglesas de som lúgubre, habitantes de um vazio existencial. Era o som que os grupos da época, em SP, tentavam copiar.

E, como boa parte dos músicos ganhava a vida como críticos de rock, era também o som usado como parâmetro (ou caricatura?) para julgar o rock/pop de outros pontos do Brasil. Para Kelefa Sanneh, "incontáveis críticos atacam astros pop por não serem suficientemente rock, sem parar para refletir por que ser rock deveria ser o objetivo de todo mundo". É uma longa discussão, para a qual "Escuta Aqui" não tem veredicto. Aqui, é forte o viés "roquista". Mas busco manter um olho atento ao mundo pop -até já escolhi o CD da Kelly Key como um dos melhores do ano. Se isso é certo ou errado, quem julga é você.

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