quinta-feira, 2 de setembro de 2004

Carta ao presidente Lula

COVARDIAS
Senhor Presidente,

Foram muitas as manifestações de desagrado provocadas por sua afirmativa de que os jornalistas são "covardes" porque não defendem esse novo organismo que quer orientar o trabalho dos profissionais da imprensa. Fiquei surpresa. Afinal de contas, acho que o senhor tem absoluta razão quando chama a nós, jornalistas, de covardes.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque nunca ouvimos com atenção aqueles que nos diziam que o senhor seguiu cursos nos Estados Unidos promovidos pela AFL-CIO, a maior central sindical do mundo, especializada em formar líderes classistas da América Latina, para que pudessem controlar reivindicações que atinjam o coração do capitalismo. E que mantenha laços com a central, conhecida por ter educado o maior número de pelegos da história de luta dos trabalhadires.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque consideramos exagero da direita quando nos diziam que o senhor exercia poder de censura nos jornais sindicais que controlava para impedir o surgimento de líderes que o ofuscassem. E são muitos os exemplos. Os jornalistas que foram subordinados ao senhor nessa época se lembram bem dos acontecimentos. Mas foram covardes em não levar a queixa à Federação Nacional dos Jornalistas, por exemplo.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque jamais aprofundamos com seriedade as denúncias que o envolviam em transações nebulosas com compadre Teixeira. Somos covardes sim, senhor presidente! Somos covardes porque fizemos vista grossa quando o tesoureiro de sua
campanha vitoriosa, Delúbio Soares, um professor da escola pública (e todos
sabemos que professores de qualquer instituição são mal pagos) começou a exibir sinais externos de riqueza, promovendo uma festa de aniversário em sua fazenda onde pousaram três aviões. Nenhum de nós se indagou como um assalariado e militante sindical conquistou, em tão pouco tempo, tantos recursos para ter uma fazenda com campo de pouso.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque não exploramos devidamente o fato de o senhor ter conseguido tão cedo sua aposentadoria e agora nos impõe mais anos e anos de trabalho.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque nunca informamos nossos leitores que o senhor se recusou a participar da campanha da anistia porque não queria de volta aquele "bando de comunistas". E só se mobilizou porque foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Nunca o chamamos de oportunista e isso foi covarde.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Somos covardes porque a História assim nos transformou. Porque nossa profissão foi uma das mais atingidas pelo regime militar que nos governou por tantos anos e, a cada companheiro que tombava, nossa coragem se deteriorava. Mas onde estava o senhor e sua coragem quando assassinaram nosso colega Wladimir Herzog? Por favor, não venha me dizer que o senhor estava lutando pela sobrevivência porque era isso que nós também estávamos fazendo, mas gritamos, esperneamos. Talvez por medo, covardia.

Finalmente quero lhe dizer, senhor presidente, que somos covardes porque douramos sua biografia, colaborando para que o senhor conquistasse o posto máximo de nosso País e hoje não pedimos desculpas ao povo brasileiro porque criamos um ídolo de areia.

Somos covardes sim, senhor presidente!

Mas o senhor é corajoso!

O senhor tem coragem de editar medidas de exceção para deixar na impunidade banqueiros que cometem crimes diários contra um povo que a cada dia mais se
empobrece. O senhor tem tanta coragem que prefere não enfrentar covardes jornalistas
que ousam discordar de suas medidas porque elas querem resgatar a censura a qual combatemos enfrentando riscos para nossas vidas; medidas que querem castrar a informação que diz ao povo que seu tesoureiro de campanha passou dos limites, lembrando outro tesoureiro de triste memória; medidas que pretendem omitir as notícias de que seus companheiros são pessoas que jamais tiveram qualquer comprometimento com o povo brasileiro e queriam apenas chegar ao poder. E isso não é diatribe dessa covarde profissional que lhe escreve. Foi dito pelo seu companheiro João Paulo, presidente da Câmara dos Deputados.

O senhor tem tanta coragem, que apesar de suas limitações intelectuais, sai por aí dizendo que Napoleão foi à China, fato que nem a criativa e rica literatura de cordel registra e que a Namíbia nem parece África porque é limpinha. Mas seu maior gesto de coragem, senhor presidente, é que mesmo depois de ter enganado 53 milhões de pessoas, prometendo mudanças para deixar nosso povo menos miserável, ainda pretende ficar no poder por muito tempo. Isso sim, é uma admirável coragem.

Saudações de uma profissional que foi tão covarde que mesmo sabendo quem é o
senhor, não teve coragem de dizer que aquele operário estava nu. Mas mesmo
assim queria ser rei.

Memélia Moreira, jornalista

DEFENDA O PORTE DE ARMAS LEGAIS!
REVOGUEM A LEI DA RENDIÇÃO!
ARQUIVEM O DESARMAMENTO CIVIL!


Na qualidade de ex-metalúrgico, que vi meu pai, ex-operário, perder o emprego por causa de uma das várias greves que lançaram o atual presidente ao "estrelato político" nos anos 70, e também na qualidade de jornalista que, a cada dia que passa, vê sua categoria cada vez mais desmoralizada, despolitizada e desprofissionalizada pela desmobilização, desunião e desespero de seus colegas, me solidarizo plenamente com o desabafo da senhora Memélia Moreira, que fui uma das poucas "covardes" que teve a coragem de não escutar tamanha esculhambação presidencial sem protestar. Muito obrigadoe parabéns.

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