Por Ethevaldo Siqueira
Dizia um filósofo que uma das piores consequências da pena de morte é exigir o trabalho de um carrasco – como profissão, que não dignifica nenhum ser humano. Por analogia, eu identifico um problema ético muito parecido em nosso capitalismo subdesenvolvido, com o papel dos chefetes escalados para, a qualquer custo, reequilibrar as finanças de alguns jornais e emissoras de rádio. Ou, talvez, de muitas outras empresas além das Comunicações.
Reconheço o tamanho do desafio que o mundo enfrenta com a mudança de paradigmas tecnológicos. Mas, no Brasil, as tentativas de solução têm sido desastrosas. Como dizia um personagem de Eça de Queiroz sobre certo médico: “com ele, se o paciente não morre pela doença, morre pela cura”.
Mas, no meu caso pessoal, acabo de viver uma situação triste ao sair da CBN, depois de uma década, ao deixar uma emissora extraordinária, construída pela associação do trabalho de grandes profissionais e uma grande líder, Mariza Tavares ao longo de mais de 14 anos.
Esta é a primeira vez que eu falo aqui sobre o conteúdo da carta que escrevi a Ricardo Gandour, diretor executivo da CBN e que vazou para a internet sem nenhuma participação minha.
Afirmo, em primeiro lugar, que ela foi escrita exclusivamente para registrar os fatos que me levaram a recusar um contrato inaceitável que me foi oferecido – não apenas pela forma de remuneração baseada em percentual da publicidade eventual de meu programa – mas, acima de tudo, pela redução da frequência de cinco comentários semanais (de segunda a sexta-feira) para apenas um programa de 30 minutos, no fim de semana.
O argumento cínico usado por Ricardo Gandour para reduzir ou praticamente sepultar meus comentários diários sobre tecnologia digital foi o de que eu “teria dificuldade para encontrar novidades tecnológicas para comentar todo santo dia”. Nem Gandour acredita numa bobagem desse tipo, em especial com relação às tecnologias digitais, cujas inovações explodem a cada minuto.
Tudo que disse a Ricardo Gandour se baseia em fatos concretos, cujas consequências eu senti na pele. E, curiosamente, em 50 anos de jornalismo, nunca tive um chefe tão hostil e fechado ao diálogo. Ao sair da CBN, por minha decisão, depois de 10 anos, escrevi uma carta não para ofendê-lo, mas para – talvez ilusoriamente – tentar dizer-lhe que ele poderia mudar, que poderia rever seus princípios e pontos de vista como executivo, em especial como executivo de emissoras de rádio (campo em que nunca havia trabalhado antes).
Por que divulgo e comento aquela carta, agora?
Num primeiro momento, fiquei constrangido com a divulgação de minha carta a Gandour, sem nenhuma participação de minha parte. Depois, recebi um telefonema de Sidney Rezende, pedindo que confirmasse o conteúdo e a fidelidade do texto que lhe havia chegado pela internet. Confirmei e achei que, talvez, pudéssemos usá-la como um bom material para reflexão sobre o terrível papel dos chefetes nos jornais e nas emissoras de rádio e TV. Armados de facão, os mais eficientes agem como aqueles algozes do Estado Islâmico, que degolam friamente seres humanos perante o mundo.
Para quem não leu e tem interesse no tema, aqui vai a íntegra do texto de 02 de abril 2017 e não 02-01 (janeiro)-2017, como digitei equivocadamente:
“Prezado Ricardo Gandour
Nesta altura de minha vida, com maior experiência acumulada, posso dizer-lhe algumas verdades relacionadas com o meu trabalho. Meu propósito é unicamente contribuir para a melhoria do mundo em que vivo, ainda que isto lhe pareça algo quixotesco.
Reveja os fatos, Gandour. Quis o destino, caprichosamente, que entrássemos em rota de colisão duas vezes, em nossa vida profissional. Primeiro, no Estadão, com a deterioração progressiva de nosso relacionamento, a ponto de me levar a encerrar minha colaboração com o jornal em 2012, após 45 anos de casa.
Nesta segunda vez, o impasse começou quando você propôs cortar meus comentários diários e reduzir minha remuneração fixa a uma hipotética comissão sobre patrocínios publicitários de um único programa de final de semana. Essa proposta inaceitável foi sua resposta à sugestão que eu lhe havia feito de manter meus comentários diários sobre tecnologia e ampliar minha contribuição com novos programas semanais e mais coberturas internacionais. Tudo sem nenhum aumento de minha remuneração ou ônus para a CBN.
Ignorando tudo que lhe propus, você me informou em mensagem de 10-02-2017 que meus comentários diários, em vigor há 10 anos, seriam “descontinuados” sob o argumento ridículo de que eu não teria novos assuntos para esses comentários “dada a natural carência de assunto e novidades todo santo dia”. Até jovens adolescentes sabem que o mundo é inundado “todo santo dia” por inovações tecnológicas. E você, como engenheiro, mais do que ninguém, sabe disso. Em resumo, sua proposta de trabalho era apenas um pretexto para me forçar a encerrar minha colaboração ao final do contrato, em 31-03-2017. Foi o que fiz.
Suas atitudes, Gandour, são o retrato de sua personalidade. Já que havia decidido abrir mão de minha colaboração, teria sido muito mais honesto e elegante para você responder-me: 'Ethevaldo, seu contrato de trabalho não será renovado. Você estará dispensado a partir de 31 de março de 2017. Obrigado por seus serviços, ao longo de 10 anos na CBN.'
E ainda escreveu na mensagem de 10 de fevereiro que a CBN continuaria a me conceder o privilégio de 'me enviar cartas de apresentação1, para meu credenciamento como jornalista na cobertura de eventos internacionais. Quanta generosidade de sua parte. Aliás, é bom relembrar que, desde 2013, tenho feito todas as coberturas nacionais e internacionais com recursos pessoais, sem qualquer remuneração e sem nenhum reembolso das despesas de viagens.
Temo pela sobrevivência da CBN, Gandour. Sua estratégia e suas “decisões de planejamento” trazem o desencanto para muitos profissionais. Você não dialoga, não cria boa vontade, não soma, não agrega. Parece estar perdido num tiroteio. Não conhece o mundo da radiodifusão. Muda por mudar. Detesta profissionais mais experientes do que você.
Gandour, eu tinha ilusões de que você fosse hoje outro ser humano e melhor profissional. Mas me enganei. No seu dia a dia, você continua o mesmo profissional imaturo, recalcado, vaidoso e incapaz de despertar o menor entusiasmo e colaboração criativa em seus comandados. Continua sendo aquele chefete que conheci no Estadão, muito longe de ser um líder.
Com seu estilo autocrático, acabará por transformar a CBN, na melhor das hipóteses, numa emissora qualquer, medíocre, sem nenhum carisma e com muito menor credibilidade. Aliás, já se especializou nesse tipo de desmonte. Mas apenas em jornais. Basta ver de perto o resultado de sua passagem pelo Estadão.
Digo-lhe, no entanto, que guardarei com orgulho e muita saudade a lembrança dos 10 anos que passei nessa emissora. Sinto que pus um minúsculo e humilde tijolo nos alicerces de um grande edifício. Da mesma maneira, guardo na memória os 45 anos vividos no Estadão, um jornal quase lendário ao qual dediquei o período mais produtivo de minha vida. Sei que, a rigor, nada disso lhe interessa, até porque você não tem a menor ideia do que significam esses valores.
Sem nenhuma experiência em radiodifusão, que caiu na CBN como paraquedista, você está aqui para executar à sua moda as “decisões de planejamento”. E cumpre sua missão magistralmente: tapa o nariz e faz o serviço frio e cruel (para não dizer “serviço sujo”).
Supunha que, depois de um estágio em Columbia, você tivesse aprendido algo muito mais moderno e eficaz, como as estratégias de renovação criadora, muito mais avançadas do que as de sua terapia vesga e rancorosa.
Veja apenas um exemplo do que já tem sido adotado por grandes veículos no mundo, nesta era de mudanças de paradigmas. Refiro-me à associação do poder de comunicação do rádio com as redes sociais. O site das empresas modernas funciona como uma vitrine, ou uma sala de visita, não apenas para as novas gerações mas para os ouvintes em geral.
Note a pobreza visual e de conteúdo do site da CBN – situação que, aliás, vem de longe. Mas você consegue piorar. E lembre-se que o Brasil tem hoje mais de 100 milhões de usuários de smartphones e tablets. Mas isso talvez seja grego para você.
Entendo a urgência de equilibrar as contas da rádio, mas isso não pode ser feito simplesmente com a demissão de jornalistas e comentaristas comprovadamente capazes. É claro que você pode e vai equilibrar as finanças da rádio, mas pelo pior caminho, pois seu sucesso poderá ser uma vitória de Pirro, a nova CBN poderá ser apenas um espectro do que já foi.
E, ao final de seu contrato, se ainda houver quem acredite na sua competência como executivo, você será chamado para negociar o aluguel da emissora a uma igreja qualquer. Como aconteceu recentemente com a Rádio Estadão.
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Demitido da CBN, Ethevaldo Siqueira afirma que diretor transformará a rádio em “uma emissora qualquer”
Do Portal Comunique-se - Na quarta-feira, 19, o jornalista Ethevaldo Siqueira falou sobre sua saída da rádio CBN em texto publicado no Facebook. Por meio da rede social, o jornalista que comandava a coluna ‘Mundo Digital’ – descontinuada em 31 de março – divulgou carta ao diretor executivo da emissora, Ricardo Gandour, responsabilizando-o por transformar o veículo, “na melhor das hipóteses, numa emissora qualquer, medíocre, sem nenhum carisma e com muito menor credibilidade”.
Siqueira trabalhou durante 10 anos na CBN. O jornalista informou que sua saída da rádio foi resultado de proposta contratual “inaceitável”, em que foi oferecida a redução de sua frequência de cinco comentários semanais (que iam ao ar de segunda a sexta-feira), para que ele assumisse programa de 30 minutos, que seria transmitido aos finais de semana.
De acordo com o ex-colunista, a argumentação de Gandour para tal proposta é que o jornalista “teria dificuldade para encontrar novidades tecnológicas para comentar todo santo dia”. Siqueira afirmou, ainda, que no novo contrato a CBN reduziria sua remuneração fixa a comissão sobre patrocínios publicitários do programa de fim de semana.
A carta - Por meio de seu Facebook, Ethevaldo Siqueira afirmou que a carta endereçada a Ricardo Gandour não foi escrita para ofender o diretor da CBN, mas para tentar dizer que ele poderia mudar sua postura como gestor, rever seus princípios e pontos de vista como executivo de rádio.
Nos primeiros parágrafos do texto, o radialista destaca que o desgaste de sua relação com Gandour vem acontecendo desde 2012, ano em que Siqueira deixou de ser colunista do Estadão, após 45 anos no jornal. Na época, o atual executivo da CBN era diretor de conteúdo do Grupo Estado.
“Nesta segunda vez, o impasse começou quando você propôs cortar meus comentários diários e reduzir minha remuneração fixa a uma hipotética comissão sobre patrocínios publicitários de um único programa de final de semana. Essa proposta inaceitável foi sua resposta à sugestão que eu lhe havia feito de manter meus comentários diários sobre tecnologia e ampliar minha contribuição com novos programas semanais e mais coberturas internacionais. Tudo sem nenhum aumento de minha remuneração ou ônus para a CBN”, disse o profissional.
Siqueira afirmou que a proposta feita pelo diretor era pretexto para forçá-lo a encerrar sua colaboração ao final do contrato. O comentarista informou, ainda, que Gandour lhe enviou mensagem em 10 de fevereiro, declarando que a CBN continuaria a lhe conceder o “privilégio de enviar cartas de apresentação”, para o credenciamento do profissional na cobertura de eventos internacionais.
“Quanta generosidade de sua parte. Aliás, é bom relembrar que, desde 2013, tenho feito todas as coberturas nacionais e internacionais com recursos pessoais, sem qualquer remuneração e sem nenhum reembolso das despesas de viagens”, disse Siqueira.
O destino da rádio - No texto, Siqueira também disse que teme pelo futuro da CBN e que Gandour não conhece o mundo da radiofusão, fazendo críticas a postura do executivo como gestor da emissora. “No seu dia a dia, você continua o mesmo profissional imaturo, recalcado, vaidoso e incapaz de despertar o menor entusiasmo e colaboração criativa em seus comandados. Continua sendo aquele chefete que conheci no Estadão, muito longe de ser um líder”, afirmou.
Por último, Siqueira criticou o site da CBN, afirmando que o portal tem pobreza visual e de conteúdo. Além disso, o jornalista disse que entende a urgência de equilibrar as contas da emissora, mas avalia que isso não pode ser feito por meio da demissão de jornalistas e comentaristas comprovadamente capazes.
“É claro que você pode e vai equilibrar as finanças da rádio, mas pelo pior caminho, pois seu sucesso poderá ser uma vitória de Pirro, a nova CBN poderá ser apenas um espectro do que já foi. E, ao final de seu contrato, se ainda houver quem acredite na sua competência como executivo, você será chamado para negociar o aluguel da emissora a uma igreja qualquer. Como aconteceu recentemente com a Rádio Estadão”, declarou Siqueira.
A reportagem do Portal Comunique-se entrou em contato com Ricardo Gandour para esclarecimentos sobre a saída de Ethevaldo Siqueira da CBN. De acordo com o executivo, “entre novembro e março, alguns colunistas da grade diária não tiveram seus contratos renovados. O objetivo foi abrir mais tempo para reportagens, entrevistas, checagens e debates” na rádio.
Gandour confirmou, ainda, a proposta de mudança de frequência de Siqueira nas transmissões da emissora: “pela especialidade reconhecida, foi oferecido o desenvolvimento de um programa semanal sobre tecnologia e pesquisas espaciais”, disse o diretor. Questionado sobre a carta divulgada pelo jornalista, o executivo da CBN não se pronunciou.
Procuramos Ricardo Gandour para fazer suas considerações, e estamos aguardando retorno, caso seja este o seu interesse.
Quem quiser conhecer um pouco mais o que pensa o jornalista Ethevaldo Siqueira sobre tecnologia, jornalismo e futuro da comunicação deve assistir à entrevista que ele concedeu ao programa “Roda Viva”, em 3 abril. Ela foi realizada um dia após a redação da carta enviada pelo entrevistado ao jornalista Ricardo Gandour.
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Ethevaldo Siqueira deixa a CBN e envia carta destemida ao diretor executivo
Do portal SRZD - O jornalista Ethevaldo Siqueira, de 84 anos, mais de 50 de profissão, certamente não recomendará o uso da qualificação, mas ele é uma lenda. Um profissional que persegue a precisão em tudo o que faz.
Ethevaldo construiu sua carreira tijolo a tijolo desde que cursou jornalismo, na primeira turma da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP). Em 1967 escreveu pela primeira vez no jornal “O Estado de S. Paulo” e por lá permaneceu por 45 anos, onde assumiu funções de repórter, editor, repórter especial até chegar ao patamar de colunista respeitado de hoje.
Também enveredou por outros meios: comentarista da Rádio CBN da coluna diária Mundo Digital até este ano, quando não teve o seu contrato renovado.
Inconformado com as condições que a emissora do Grupo Globo pretendia lhe oferecer, Ethevaldo Siqueira escreveu uma carta, ainda desconhecida do grande público, mas que virou leitura obrigatória em todos os grupos de whatsapp que discutem o presente e o futuro do Rádio.
Logo abaixo a carta de despedida da emissora redigida em 2 de abril deste ano por Ethevaldo Siqueira ao novo diretor executivo da CBN, Ricardo Gandour, que assumiu o posto em outubro de 2016. Após dez anos no Estadão, Gandour retornou ao Grupo Globo em substituição a Mariza Tavares, que deixou a rádio em julho, após comandá-la por 14 anos.
Procuramos Ricardo Gandour para fazer suas considerações, e estamos aguardando retorno, caso seja este o seu interesse. Quem quiser conhecer um pouco mais o que pensa o jornalista Ethevaldo Siqueira sobre tecnologia, jornalismo e futuro da comunicação deve assistir à entrevista que ele concedeu ao programa “Roda Viva”, em 3 abril. Ela foi realizada um dia após a redação da carta enviada pelo entrevistado ao jornalista Ricardo Gandour. Veja:
Um comentário:
Lendo a carta e comentário do sr. Ethevaldo Siqueira, parece que o caso ali foi de uma rixa pessoal entre o comentarista e o diretor da rádio. Segundo ele próprio escreveu,foi sugerido um programa de 30 minutos só para ele nos fins de semana, que seria tempo muito maior do que os comentários que fazia às 06h35 no Jornal da CBN, contudo teria que buscar patrocínio. Se vai dar certo, veremos, mas que tem muita gente acomodada por aí, isso tem. E sinceramente eu não gostava dos comentários.
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