Os blogs anunciaram, os sites de notícias sentenciaram, os internautas reclamaram, os profissionais lamentaram, as agências de publicidade se calaram e os ouvintes se espantaram. Assim é o quadro nos dois maiores mercados de rádio do Brasil. Nas capitais localizadas nas duas extremidades da rodovia Presidente Dutra, o clima observado nos bastidores parece ser tenso, muito embora no ar - ao menos no lado de cá - o rádio continua se aprimorando e se adaptando aos novos tempos 4.0.
O ano da graça de 2017 amanheceu com o anúncio de grandes emissoras de rádio sendo tiradas do ar, sendo descontinuadas (como foi o caso recentemente da MPB FM) ou ainda reduzindo ainda mais os seus quadros de funcionários, à torto e à direito. Rádio Globo, MPB FM, Super Rádio Tupi, Rádio Estadão, Eldorado FM, CBN, Bradesco Esportes FM (e quem mais vier a participar desta "roleta russa do infortúnio") estão passando por uma crise cíclica, que atinge o mercado de quando em vez, tendo como "onda portadora" - para usar um jargão técnico do meio - a grave crise econômica no qual o país está mergulhado há pelo menos três longos anos.
Nos próximos textos a serem publicados neste blog, com a devida permissão do caro leitor, tenho a intenção de analisar cada um dos aspectos que envolvem essa questão que é mais conjuntural do que estrutural, tomando por base cada um dos segmentos envolvidos. Quero mostrar que, a exemplo do que acontece em muitos setores da vida brasileira, é a economia que dá o tom dos acontecimentos. Afinal, como dizia o refrão de uma canção do Fellini, uma obscura banda paulistana de rock alternativo dos anos 1980, formada por jovens jornalistas da área cultural, "Tudo foi sempre uma mera questão de dinheiro" ("Rock Europeu", do LP "O Adeus de Fellini", de 1985, lançado pelo selo Baratos e Afins)
Profissionais de rádios mais experientes e ouvintes mais antigos reclamam nem fóruns da internet daquilo que eles consideram uma grande queda de qualidade da programação musical na faixa de FM. Alguns desses chegam a culpar a constante "modernização" do meio, que substituiu o locutor com "vozeirão" e tom descontraído - embora um tanto quanto ingênuo e bobinho, às vezes - por apresentadores que mal se distinguem uns dos outros, a não ser pela "gritaria" e uma certa falta de carisma que seus "antepassados" possuíam. Outros, mais inconformados ainda, atribuem essa "derrota" do rádio musical ao próprio veículo que não está sabendo se adaptar a estes tempos de redes sociais em que tudo está conectado a tudo. E alguns mais afoitos culpam simplesmente a falta de visão dos diretores e empresários de rádio, generalizando esta tese, o que é sempre muito perigoso.
Teria este grupo razão em suas queixas? Eu diria que em grande parte sim, embora os diagnósticos, creio eu, estejam, de certa maneira, equivocados. Em épocas de falta de grana, os anunciantes de todos os tamanhos tendem a investir apenas em plataformas que possuam grande audiência que seja facilmente comprovada. Não se enganem: a ordem é anunciar para atrair novos clientes e vender. Não há espaço para se fazer uma propaganda institucional somente para "marcar" presença da marca em determinado evento, projeto ou contexto histórico que seja.
Com isso, as emissoras comerciais abrem mão de uma programação mais "qualificada", que demanda mais produção de conteúdo, de acabamento e de, consequentemente, menor audiência, por algo mais "simplório" e pretensamente "popular", logo, de maior audiência. Deve-se levar em consideração que o rádio, assim como as gravadoras, perderam há muitos anos os papéis de principais produtores, geradores, divulgadores e distribuidores do mercado fonográfico.
É bom salientar que a mídia radiofônica ainda é muito importante para mostrar os artistas novos ou consagrados. Trata-se de uma grande vitrine, seja para mostrar que os novatos tem algo de novo para exibir ao seu público, seja para que os veteranos tenham um contato direto com seus mais antigos e fiéis fãs e mostrar a estes que eles ainda "estão vivos, tocando e fazendo shows". O Rádio ainda é importante para mostrar os artistas, porém não o é mais para exibir o seu novo trabalho ou projeto. E isso fica mais complicado quando o músico é "das antigas". Quando vai a um raro programa de alguma emissora emissora musical, ou ainda ao ser é entrevistado em uma emissora jornalística, o pobre artista é praticamente intimado a gastar pelo menos metade do tempo que lhe é cedido a falar de antigos sucessos e êxitos na carreira, ao invés de divulgar a sua nova empreitada.
A "culpa" são dos produtores, normalmente jovens profissionais que pouco conhecem a obra do entrevistado a fundo ou não tiveram a vivência da época em que este estava no auge e era o principal assunto da imprensa musical. Ainda que seja experiente, o radialista em questão, por mais paradoxal que seja, tende a entrar em ressonância com o sentimento de "saudade dos bons tempos" dos ouvintes, inclusive dos mais novos, que gostariam de ter vivido a tão falada época de esplendor.
Esse ruído na comunicação decorre do fato de que, embora seja infinitamente maior, a produção musical já não tem a qualidade de outrora, pelo menos na ótica de grande parte da audiência e dos profissionais de comunicação. As emissoras de maior audiência irradiam uma programação musical que chamaríamos de "gosto duvidoso". Muito embora as letras procurem propositalmente refletir a vida das camadas populares, elas são pouco criativas, valendo-se muitas vezes de palavrões, expressões chulas, impropriedades gramaticais. Muitas vezes expressam um ideologia que visa difundir práticas diversas que não são aceitas socialmente. Da mesma forma, as melodias e os arranjos das gravações são de uma pobreza abissal. É claro que os artistas que a produzem, bem como os apreciadores deste tipo de produto musical hão de discordar do consenso geral. Entretanto esses critérios e conceituações são nítidamente objetivos, se essas canções atuais de apelo mais popular que tocam no Rádio forem comparadas com similares de outras épocas.
Também há de se notar que concomitantemente as emissoras musicais de São Paulo vêm programando cada vez mais sucessos de décadas anteriores, sobretudo dos anos 1980.
Além das emissoras que já se dedicam a este estilo radiofônico - Antena 1, Alpha, Nova Brasil, Kiss FM - emissoras concorrentes, provavelmente na ânsia de conseguir a atenção do público cativo das rivais, aumentaram o número de "flash backs" em sua grade. A 89 FM, especializada em "rock hits" do momento e em uma produção mais alternativa, cedeu aos encantos do chamado Classic Rock. A Jovem Pan - que atualmente divide sua tradicional "cortina musical" com o jornalismo da irmã Jovem Pan News - voltou a tocar sucessos de 15, 20 e até 30 anos atrás, que nem ela mesma tocava na época. Esse movimento todo acontece por um vácuo causado pela falta que o ouvinte sente de uma música realmente popular, feita para tocar no rádio, para ser cantarolada por todos a toda hora, enfim, para fazer parte da "trilha sonora de sua vida".
Mas a boa notícia é que, quando esta crise passar, o mercado do rádio deve melhorar. Vai demorar mais do que a gente espera, mas vai passar. Como muito bem ensina o experiente economista, colunista da Band FM e otimista de plantão Luiz Carlos Mendonça de Barros, essa gente mais nova talvez não lembre como era bagunçada nossa economia antes do Plano Real. Portanto, os mais veteranos tem de contar-lhes que antes de 1994 houve períodos de bonanza, mas também de recessão. E era muito pior porque hoje temos uma economia muito mais bem estruturada do que outrora. Também não tínhamos um sistema de fiscalização e investigação como temos nos dias atuais. Não fosse isso, talvez nem tivéssemos um processo democrático tão bem consolidado como agora. E o jornalismo no rádio não chegaria ao patamar de qualidade que chegou atualmente. Mas deixo para comentar este aspecto em uma próxima oportunidade.
Marco Antonio Ribeiro
Um comentário:
Gostei da sua ponderação, a verdade é que não queremos mostrar que no "nosso tempo era melhor" porque HOJE ainda é nosso tempo, estamos todos trabalhando em áreas ligadas a locução...o que estamos alertando é que o rádio deixou de ser protagonista para ser subserviente de outras mídias e plataformas...as vozes precisam ter personalidade, nome e endereço para que realmente existam para o grande público e o que vemos é uma categoria calada e conformada com a sua "modernidade"...a juventude não quer se isolar, ela quer interagir, e não só em redes sociais, o ideal é que seja no rádio...onde ela pode ouvir e ser ouvida...dar voz a quem quer falar...é pra isso que serve o rádio, entreter, aproximar pessoas, informar, prestar serviço...criar magia. Por incrível que pareça, ser moderno hoje é olhar para ontem. Viva a tecnologia.
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