quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

Garagem no Observatório da Imprensa

As cruzadas do Garagem
Por Rodney Brocanelli
Especial para o Observatório da Imprensa


Um dos programas de maior repercussão no rádio paulistano na atualidade traz uma fórmula que é, ao mesmo tempo, original e polêmica. Transmitido toda segunda, após as 22h, pela Rádio Brasil 2000 FM (http://www.brasil2000.com.br), o Garagem se destaca por suas cruzadas em favor do rock alternativo e da verdadeira cultura popular. E o inimigo a ser combatido é a pretensão de alguns artistas da MPB. Para tal missão, uma de suas principais armas é uma furadeira, apelidada de Ana Maria Broca, que entra em ação reduzindo a pó CDs de artistas como Caetano Veloso ou Tribalistas, entre outros.

Três jornalistas muito bem posicionados no mercado são os responsáveis pelo Garagem. Todos têm passagens por grandes redações de jornais. André Barcinski trabalhou em publicações como Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde e revista Trip. Hoje é cineasta e, de sua filmografia consta o premiado Maldito, cinebiografia de Zé do Caixão. Álvaro Pereira Jr. é colunista do caderno Folhateen da mesma Folha e trabalha como editor-chefe da sucursal paulista do Fantástico, manjada atração da Rede Globo nas noites de domingo. Paulo César Martin foi secretário de redação do extinto jornal Notícias Populares e atualmente é editor de revistas da Editora Conrad.

O Garagem está no ar pela Brasil 2000 desde 1999, com um pequeno intervalo entre 2002 e 2003. Segunda maior audiência da emissora na época, o programa foi retirado do ar com a justificativa de que não dava lucro, mesmo sendo apresentado num horário não muito atraente para possíveis patrocinadores (22h às 24h). Depois de uma reformulação na filosofia da emissora, no fim do ano passado, a atração foi reconduzida à grade de programação e hoje é o carro-chefe de uma nova fase que procura fugir do play-list imposto pelas gravadoras, dando mais ênfase ao lado mais alternativo do rock and roll.

Atualmente, a proposta do Garagem é "misturar a modernidade do rock alternativo com cultura popular brasileira", segundo Paulo César Martin, 40 anos, porta-voz do trio. Paulão, como também é conhecido, justifica a quebra de CDs dos medalhões da MPB durante as transmissões: "Os artistas que têm seus discos quebrados no Garagem fazem parte dessa máquina de lobby para tocar suas músicas nas rádios".

As difíceis negociações para a volta em outra emissora também foram abordadas: "É a mesma sensação de procurar um emprego", diz, com a experiência de quem levou muitas portas na cara. "Os coordenadores de rádio sabem muito bem que tudo poderia ser diferente, mas são escravos da pressão das gravadoras e das assessorias", afirma. A seguir, a integra da entrevista.

***

Muita coisa se escreveu e muita coisa se especulou sobre o fim da primeira fase do Garagem na Brasil 2000. A própria equipe do programa sempre procurou medir as palavras ao falar desse episódio em entrevistas e artigos. Hoje, depois da volta triunfal e da mudança de filosofia da emissora, o que você pode acrescentar a esse respeito?

Paulo Cesar Martin – Nunca medimos palavras para falar da saída do Garagem da programação da Brasil 2000 em 2002. Criou-se um pequeno mito nessa história: a de que existe um bastidor nunca revelado etc... Bobagem! O que houve foi que a rádio sofreu mudanças de filosofia de trabalho naqueles meses e a direção optou pela nossa saída. Isso é uma prática comum nos meios de comunicação: quando uma nossa direção assume, mudanças sempre acontecem. Claro que ficamos chateados na época, mas sempre tivemos a esperança de voltar e sempre batalhamos para isso. O resultado foi a volta para a própria Brasil 2000. Uma coisa que precisa ser muito bem compreendida é que o mundo da comunicação é movido por negócios, dinheiro. Apesar da excelente audiência, o Garagem não gerava lucro para a emissora e a coordenação da rádio daquela época optou pela retirada do programa.

Vocês mexem com "vacas sagradas" da MPB, como Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Marisa Monte. Nunca é demais perguntar se vocês já sofreram algum tipo de pressão por parte de pessoas ligadas a esses artistas ou até mesmo de fãs...

P.C.M – Muito raramente chegam e-mails de fãs de MPB reclamando das nossas convicções. Mas nunca fomos pressionados de forma alguma. A irmandade do lobby que existe nesse segmento musical é tão gritante que reclamar que a gente combata essa postura desses artistas é uma coisa ridícula.

Na época, se fez uma possível relação da saída de vocês com a chegada do jornalista Gilberto Dimenstein para presidir um conselho que ditaria os destinos da rádio. O que você diz?

P.C.M – Até onde eu tenho conhecimento, não teve relação.

Vocês ficaram quase um ano procurando uma nova emissora para o Garagem. Como foram essas negociações?

P.C.M – É a mesma sensação de procurar um emprego. Com algumas exceções, a gente ia às rádios, os coordenadores geralmente diziam que já tinham ouvido falar no programa, mostravam empolgação com nossos currículos, ficavam com nosso fólio e falavam que entrariam em contato, mas não ligavam nunca. A gente ligava para um novo contato e os caras nunca atendiam. Houve uma situação de um coordenador da Kiss FM marcar uma reunião na emissora dele. A gente foi à rádio, cruzamos com o sujeito na saída do elevador (ele não nos conhecia, mas nós sabíamos que era o próprio). Aí falamos com a secretária que tínhamos uma reunião agendada para escutarmos dela que o fulano, de quem eu nem lembro o nome agora, ainda não tinha chegado, mas tinha ligado para pedir desculpas porque estava em outro compromisso...

E a volta para a Brasil 2000? De que forma se deu a reconciliação?

P.C.M – Assim que soubemos que o Kid Vinil tinha assumido a coordenadoria da Brasil, entramos em contato com a rádio novamente. Fizemos uma campanha de e-mails com nossos ouvintes para inundar a rádio de pedidos pela nossa volta. Mesmo com o programa fora do ar, continuamos promovendo as festas do Garagem, sempre lotadas, o que ajudou a manter o contato com as pessoas. Amigos jornalistas também se juntaram nessa empreitada. Podemos dizer que a força dos nossos ouvintes foi decisiva para a volta do programa. Juntando esse movimento com a entrada de uma pessoa de bom senso como o Kid, que entende tudo de rock, ficou mais fácil. O Kid já trabalhou em várias rádios e gravadoras. Sabe como poucos como funciona o meio. Por isso tem a sensibilidade suficiente de entender a nossa causa. Ele sabe que nosso prazer é levar mensagens novas e música boa ao nosso público. E diversão, acima de tudo.

O Garagem teria espaço numa outra emissora que não fosse a Brasil 2000?

P.C.M – Claro que sim! É só uma questão de mudança de mentalidade de quem comanda esse meio radiofônico. Acho que é uma questão de tempo a queda do modelo de rádio que é feito hoje no Brasil. Tudo bem, não se pode ser utópico a ponto de se desejar rádios que não gerem lucro algum. Mas existe uma fórmula que une ideologia e mercado. Isso é óbvio, mas ninguém, com exceção da Brasil 2000, tenta botar em prática. Os coordenadores de rádio sabem muito bem que tudo poderia ser diferente, mas são escravos da pressão das gravadoras e das assessorias.

Uma das características mais marcantes e polêmicas é uma sessão na qual vocês furam os CDs (com direito a furadeira e tudo o mais) dos quais vocês não gostam. O público fiel, é claro, gosta, mas como vocês reagem as críticas por parte de artistas que são vítimas dessa prática?

P.C.M – O problema é que a maioria desses artistas que são criticados no Garagem se leva a sério demais. Ficam comparando a gente com o Flavio Cavalcanti etc. Mas a diferença é que a gente não critica a opção política do artista. O que combatemos é a pretensão desmedida dessas pessoas. Todos esses artistas que têm seus discos quebrados no Garagem fazem parte dessa máquina de lobby para tocar suas músicas nas rádios. Contra essa prática eles não levantam a voz. A gente vive num país onde essa camada de artistas não aprendeu a ser criticada. "Se você me criticou, não sou mais seu amigo" é o pensamento deles.

Que novidades vocês pretendem introduzir nesta nova fase?

P.C.M – A maior preocupação do Garagem hoje é que a programação da Brasil hoje é um "grande Garagem". Antes, o Garagem era um programa de rock alternativo cravado numa programação de rock mainstream. Hoje, não. A programação da Brasil subiu de qualidade e é muito diversificada. A maior mudança hoje no Garagem é a busca pelas novidades musicais, pelas versões diferentes, pela história do rock. No mais, o programa continua com suas particularidades: misturar a modernidade do rock alternativo com cultura popular brasileira, mas a cultura popular de verdade, e não a de desktop de publicitário.


-------------

Gostei do eufemismo em "ficou fora do ar num pequeno intervalo entre 2002 e 2003. Na verdade, antes que esqueçam os maus bocados que nós, ouvintes, passamos, o programa foi cassado por um "Ze´Mané", cujo nome nem a alcunha valem a pena citar, que achou que entendia alguma merda de rádio. Mas, felizmente, botaram gente que entende do riscado no lugar daquela anta (sem querer ofender esses pobres animais), o Garagem acabou voltando e a Brasil 2000 foi salva do limbo. Ainda bem, meeeeesmo

Nenhum comentário: