Por MARCO ANTONIO RIBEIRO*
Uma vez entrevistei o grande Kid Vinil para um trabalho "extra curricular" da faculdade. Fomos e o meu amigo Nelsinho Witchkovski que hoje trabalha como fotógrafo no Rio Grande do Sul. Ele havia feito o colégio técnico comigo, mas no curso de jornalismo da Metodista entrara um ano depois de mim.
Era um belo sábado de sol que, com o passar das horas, foi ficando nublado. Saí de casa umas 10 da manhã e me encontrei com ele no Largo de São João Batista, no centro do Rudge Ramos, perto da faculdade. Pegamos o ônibus, fomos até o metrô Saúde, e descemos na estação Ana Rosa para pegar um terceiro busão até a Lapa, que passava na porta da Rádio Brasil 2000, na Vila Madalena, em frente ao "Escadão", que o pessoal do "Garagem", vivia mencionando em seu programa.
Chegamos por volta do meio dia na rádio. Uma "japinha" estagiária meio esquisita, metida a "descolada" nos atendeu meio com desdém. Nos olhou de cima abaixo e perguntou de onde éramos,a qual dissemos: "Metodista de São Bernardo". A estagiária voltou a perguntar: "vocês estudam engenharia?". Eu disse: "Não, moça, é jornalismo mesmo". A nipodescendente dever ter pensado que estudávamos engenharia industrial, de telecomunicações ou algo assim na FEI por causa das montadoras que tinha na região, vai saber....
E não era nada disso. Fomos ali porque estávamos fazendo um programa de rádio contando a história das FMs, para ver se conseguíamos algum horário em alguma rádio. Logo, queríamos alguém que nos contasse a história da Nova Excelsior FM, criada por Maurício Kubrusly. Iríamos entrevistar o próprio mas naquele tempo ele já era repórter do Fantástico e vivia mais no Rio de Janeiro do que aqui.
Em nossa "reunião de produção" - feita sempre no corredor do nosso andar na facu, no edifício Delta, sempre na hora do intervalo - alguém lembrou que o Kid Vinil chegara antes na Excelsior que o próprio Kubrusly e ele certamente tinha muito mais história para contar. Naquela época, Kid apresentava um programa chamado "Estúdio Tan", só com CD's importados, patrocinado pela loja de mesmo nome. O programa ia sempre ao ar aos sábados, das 14h às 17h, na Brasil 2000 FM - que pouca gente no ABC e na Baixada Santista conhecia porque a antena era pequena, a potência muito baixa e som chegava com pouca força onde a gente morava.
Como ninguém nem sabia o telefone da rádio para pelo menos marcar uma entrevista com o "Herói do Brasil", resolvemos ir com a cara e a coragem mesmo. Pegamos o meu guia Mapograf, anotamos o endereço e fomos seguindo as indicações do guia.
E lá estávamos nós sentados na recepção, esperando dom Kid, com rádio gravador tipo "Soundblaster" gigante e dois microfones de três-em-um, que pareciam ter sido roubados de um gravador de rolo portátil dos anos 60.
Às duas em ponto, nosso entrevistado chegou, subiu rapidamente a escadaria dando apenas um "olá" genérico a quem já estava ali. Atrás dele vinha Vicente Menta, seu amigo e patrocinador, dono do "Estúdio Tan". Depois de meia hora a "nipoestagiária" disse que iria embora, mas falou falou para ficarmos porque "mais tarde alguém desceria para falar conosco".
Nesta hora me lembrei que os nossos professores costumavam dizer que muitas vezes o repórter "tomava muito chá de cadeira" quando ia entrevistar certas personalidades, ao que o gaiato do meu companheiro de aventuras disse: "Se eu soubesse que iria demorar tanto, tinha trazido um pacote de bolachas para comer aqui. Minha mãe comprou umas importadas que ela disse que são ótimas para tomar com chá." Já estava pronto para ralhar com o Nelsinho até que avistei uma mesinha com duas garrafas térmicas - uma com café e outra com chá - que ele tinha visto e eu, não. Resolvi deixar o esporro para lá, afinal mais cedo ou mais tarde teríamos de entrevistá-lo.
Não demorou muito. Talvez, uns 40 minutos desde a hora em que Kid Vinil chegara à Brasil 2000. Estava eu pensando como faria para editar o monte de material que já tínhamos com Menta nos pediu para ir ao estúdio no andar de cima.
Subimos, entramos no estúdio e ele estava falando ao microfone e operando a mesa, como um autêntico DJ. "Do jeito que a coisa vai, logo logo vou ter de mudar meu nome para 'Kid CD'", filosofou ele, para delírio da audiência. Ele colocou algumas músicas para rodar, desligou o microfone e nos atendeu. Simpático, ele pediu nos desculpa por ter entrado daquela forma pois estava atrasado. Perguntou se podería nos ajudar e falamos que gostaríamos de entrevistá-lo sobre a Nova Excelsior FM. Ele ficou contente porque era a primeira vez que alguém pedia para contar sobre a sua passagem no Sistema Globo de Rádio, em muitos anos. Sempre queriam conversar com ele sobre o Magazine, o Verminose, os Heróis do Brasil, o início do movimento Punk no Brasil, as últimas do rock internacional eaté sobre o tempo em que ele era funcionário da gravadora Continental. Mas sobre sua carreira na Rádio Excelsior há muito já não lhe questionavam nada.
Depois de fazer uma conta mais ou menos rápida, Kid Vinil elaborou um bloco de meia hora - creio que com músicas de algum astro do rock setentista (Neil Young, talvez, não me lembro), para que ele pudesse descer e nos conceder o tão precioso depoimento.
Em meia hora, esgotamos o assunto. Falamos do seu início em um horário perdido na já decadente "Excelsior AM, a Máquina do Som" no fim dos anos 70, da inauguração da Excelsior FM e sua prematura programação de pop rock, até chegar a "alternativa" Nova Excelsior, capitaneada por Kubrusly e tendo o "Rock Sanduíche" - programa que ele comandava ao lado do jornalista musical Leopoldo Rey - uma das principais atrações.
Tal como está acontecendo atualmente no mesmo Sistema Globo de Rádio, tudo acabou de repente porque os diretores de então resolveram jogar no lixo um projeto que começava a dar não só um bom resultado comercial como também em termos de audiência e prestígio para se correr atrás de um modelo que nem eles ao menos sabiam se era robusto ou não. Final feliz para nosso herói brasileiro, que anos depois foi para a Rede Antena 1, com muito sucesso e dali participou da equipe de fundou a 89 FM, a rádio do rock, que também era onde estava trabalhando antes de ficar doente e morrer.
Ao fim da conversa, ele ficou curioso em saber quem era que nos ensinava rádio na Metodista. Kid Vinil ficou feliz ao saber que André Barbosa Filho, seu velho companheiro de rádio, era um dos nossos docentes. Achou interessante nossa iniciativa de gravarmos um piloto de um programa de rádio - mesmo sem ter um estúdio de gravação apropriado - para conseguir um horário uma rádio qualquer. No alto de sua generosidade, recomendou-nos que, assim que tivesse pronto procurasse o Roberto Muller Maia, diretor da Brasil 2000, o que acabamos fazendo muito tempo depois.
Missão cumprida, recolhemos nosso "equipamento" e voltamos alegres para o ABC paulista com um depoimento inédito que esclareceu pontos obscuros sobre o desaparecimento da lendária emissora de rádio. Pena que dos 20 e tantos minutos, apenas 90 segundos puderam entrar na edição final do programa. Não tem jeito, edição é assim mesmo.
O nosso pequeno "documentário" acabou sendo veiculado seis meses depois na Rádio USP, dentro do programa "Radioatividade", da radialista Magaly Prado. Eu e o Almirante Nelson levamos cada qual o seu gravador pra facu, ocupamos uma sala vazia e matamos a última aula para poder gravar com cópia a raridade. Em meio a um programa dedicado a fazer um perfil das FMs paulistanas de então, trechos do nosso programa foram indo ao ar. Mas a produção e a exibição deste e outros trabalhos que fizemos nos tempos de academia prometo contar em outra oportunidade.
Por ora que só quero deixar aqui a minha singela porém sincera homenagem a este grande artista, muito embora o considerasse muito mais profissional de comunicação e do jornalismo cultural do que propriamente músico, mas isso vai da visão de cada um. O importante é que seu exemplo de amor ao ofício e "bom caratismo" não seja esquecido por aqueles que viveram o seu tempo e que ele seja ensinado a futuras gerações de radialistas e de músicos.
(*) - Jornalista e radialista formado pela Universidade Metodista de São Paulo, em 1992. Trabalhou nas mais diversas funções em vários veículos de comunicação como as rádios CBN, USP, Globo, Metropolitana, nos jornais Notícias Populares, Opção, Diário Comércio e Indústria, Shopping News, nos canais NET Cidade, UP TV, e nos sites Rádio Agência, Rota 77, Editora Cinzel, entre outros.
Crítico de rádio e TV e membro da Associação Paulista dos Críticos de Arte desde 2003.
É editor do portal noticiasdasuacidade.com e deste blog Rádio Base, desde 2001.
Twitter:@marcosradiobase
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Email: radiobase@folha.com.br
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