Só estou na dúvida se ele é de 2003 ou 2004, mas algumas coisas continuam cada vez mais atuais. Fiz algumas adaptações, mas nada que mude o sentido.
Rádio é empresa, sim
Resta saber como cada empresário do setor enxerga o seu negócio
Em todas as discussões que se faz sobre a questionável qualidade musical do rádio FM, consequencia do jabá, uma das principais desculpas que seus profissionais dão é a seguinte: "rádio é uma empresa como outra qualquer". Quanto a isso, não há o que se discutir. Quero lembrar apenas de um texto de Mino Carta publicado como posfácio de um livro sobre a Folha de S. Paulo chamado "Mil Dias". Nele, o jornalista fala sobre o conceito de um jornal se assemelhar a uma empresa. Basta trocar aqui o jornal pelo rádio. Rádio é empresa, sim. Resta saber como cada empresário enxerga o seu negócio. Existem aqueles que são comparáveis a Al Capone. Enquanto isso, outros se assemelham muito a Henry Ford.
Certa vez, Alexandre Horovuski, diretor da Rádio 89 FM (ainda na fase Rádio Rock) deu a seguinte declaração à reportagem da extinta e saudosa revista Frente a respeito do fato de que se ouvem praticamente as mesmas músicas na programação das rádios. Ele disse: "faltam produtos bacanas para a gente tocar". Como já escreveu certa vez o companheiro Marcos Ribeiro, trata-se de um colóquio flácido para bovino dormir. Com base em que Hovoruski pode afirmar isso? Nas tais "salas-de-teste", que acontecem na emissora, mas que ninguém sabe como funciona, quais são os critérios usados para avaliação, como são escolhidos as pessoas de que dela participam? A impressão é que trata-se de mais uma série de desculpas para se manter o estado atual das coisas. Com um pouco de boa vontade, dá para se colocar bandas novas no ar. Basta usar os horários noturnos, que poderiam servir como um laboratório para que as emissoras fizessem experiências até com programas novos.
Taí o exemplo do Garagem, na época em que era veículado pela ex-Rádio Brasil 2000 FM (hoje 107,3 FM, que não me deixa mentir. O programa começou a ser veículado a meia-noite, todas as segundas, e passou depois para horário mais "nobre", começando às 22h. Aliás, peço licença para reproduzir algumas de declarações de Paulo Cesar Martin, um de seus apresentadores, retiradas de uma antiga entrevista sua:
"O programa tem três anos no ar. A gente não paga nada pelo horário. Eles não pagam nada para a gente. O programa começou a dar um retorno grande para rádio, tanto que hoje o programa é das dez à meia noite. Não porque todo mundo é bonzinho. Deu audiência. Dos programas da rádio só perde pro Na Geral (programa dedicado a esportes), em termos de audiência." - falando sobre o Garagem.
"É um negócio generalizado. Envolve uma outra coisa, que está impregnada na própria imprensa brasileira. E não é só em rádio. Em rádio tem esse esquema, a mesma música toca em 50 rádios, 10 vezes por dia. Mas se você pega, por exemplo... a Marisa Monte vai lançar um disco novo. Isso é capa de todos os cadernos de cultura dos grandes jornais, no mesmo dia! Quer dizer, ninguém mais tem vontade de pensar. A assessoria vai e manda material. E você não pode dar a notícia antes de ninguém. Rádio é a mesma coisa. Tudo está meio estagnado demais. Está num esquema viciado que é difícil quebrar. Televisão, a mesma coisa. Se o Zezé di Camargo lançar o disco dele antes no Gugu do que no Faustão, o Faustão vai puni-lo por dois meses, não vai mais chamar para ir no programa. É tudo assim..." - sobre a mesmicie no rádio (e na imprensa também)
"Hoje está muito fácil fazer jornal, fazer rádio. A coisa cai no seu colo mastigada. Você chega lá bota no ar e tchau. Teu comprometimento é zero. O nível de criatividade é zero." - ainda sobre o mesmo assunto.
(...)
Para terminar, quero falar da velha questão da falta de anunciantes no rádio. Por mais de uma vez, já ouvi e li entrevistas de profissionais dizendo que os criativos da punblicidade têm preguiça de gastar seus preciosos neurônios para elaborar peças ao meio. Esse povo das agências prefere mais o "glamour" da criação para a tv (prêmios, status, etc.). Esse é um dos motivos que impede o rádio de receber uma parte maior das verbas do bolo publicitário. Até quando essa mentalidade vai perdurar?
Um comentário:
Tudo bem, rádio é uma empresa, sim. Mas tem uma coisa que não bate na comparação. Rádio precisa de concessão para operar. Jornal, não. Qualquer pessoa pode abrir um jornal e falar do que quiser. O rádio já não é bem assim. precisa de autorização do Estado para funcionar. O jornal você faz o número de páginas que quiser, cobra se quiser, distribui do jeito que achar melhor. Uma emissora de rádio tem limitação de alcance de transmissão, problemas de propagação ou de interferência de outras estações. Ninguém pode - ou poderia - sair transmitindo a torto e á direito, sob pena de atrapalahr outros serviços.
No rádio e na TV tudo é volátil. O ouvinte e telespectador não tem como armazenar tudo que é veiculado. A simples posse do jornal já facilita o armazenamento.
Além do mais, tudo que é publicado em um jornal ou num impresso qualquer tem valor legal para a Justiça. Se alguém publicar um edital de convocação de assembléia de condomínio, ela é aceita como documento válido. Se uma construtora distribuir folhetos de propaganda de um novo empreendimento imobilário falando dos recursos dele e se por acaso você adquirir este imóvel, mas a vendedora não cumprir o que etava na propaganda, este simples folheto também serve de evidência contra a empresa, caso você venha a acioná-la judicialmente.
No rádio é a mesma coisa. Só que você precisa ter cópia do comercial, precisa digitalizada, a perícia precisa comprovar que a prova não foi forjada, o texto precisa ser transcrito.
Então, como se vê, há umas pequenas diferenças aí.
Marco Antonio Ribeiro
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