sábado, 7 de janeiro de 2006

Repressão e burocracia ameaçam as rádios comunitárias

Do Portal O Jornalista

* Jonas Valente - Carta Maior

Para lideranças de movimentos de radiodifusão, legalização poderia ser resolvida com participação dos próprios movimentos e encaminhamento de relatório feito no governo em 2005. Pesquisa da UnB diz que rádios apadrinhadas por políticos têm 4,4 vezes mais chances de aprovação do que as demais.

Em entrevista quinta-feira (5) a um grupo de emissoras encabeçadas pela Rádio Nacional, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, afirmou que a resolução do lento processo de legalização das rádios comunitárias está na diferenciação das "verdadeiras" e das "falsas comunitárias" e que é neste processo que às vezes a polícia comete "excessos". A fala repercutiu entre as organizações representantes destas emissoras, que viram na entrevista do ministro "péssima" sinalização do governo. As entidades preferiram considerar que as declarações de Dulci foram motivadas por desinformação em relação ao processo de diálogo entre a sociedade civil e governo.

Durante a entrevista, realizada pela manhã, Dulci admitiu dificuldades do governo em lidar com a questão, mas creditou ao universo dos integrantes de rádios comunitárias grande parte da responsabilidades. "Nós avançamos menos do que poderíamos nessa área talvez por causa de um problema que é real, da dificuldade de separar as verdadeiras rádios comunitárias, as rádios que foram criadas de fato pelas comunidades, por movimentos comunitários, legítimos, de pessoas, às vezes até empresários, políticos, entidades religiosas que têm o seu direito, evidentemente, os políticos, as igrejas, mas que nem sempre a gente poderia classificar tecnicamente, juridicamente, de rádios comunitárias".

Na opinião do secretário-geral de Lula, é este fator que gera o histórico problema da repressão contra as emissoras ainda não legalizadas. "Isso [a fragilidade na diferenciação entre as "verdadeiras" e "falsas"] dificulta muito e faz com que a Polícia Federal, ao cumprir a sua obrigação legal de não permitir que funcionem rádios comunitárias que na verdade não são comunitárias, às vezes cometa excessos".

Para as entidades consultados pela Carta Maior, a opinião do ministro mostra uma visão equivocada e distanciada da realidade destas rádios. Segundo Joaquim Carvalho, da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a resolução do problema da existência de rádios que não são realmente comunitárias está na incorporação das representações no processo de fiscalização. "Quem tem condições de dizer se uma rádio é ou não comunitária são os militantes da área e os ouvintes da localidade", afirma.

Em documento, as principais organizações do movimento de radiodifusão comunitária apresentaram ao Ministério das Comunicações (Minicom) proposta da criação de um conselho com participação da sociedade civil e que teria, entre outras atribuições, avaliar as denúncias sobre irregularidades no uso das rádios comunitárias. Na opinião de Taís Ladeira, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias, se somaria à ação do conselho medidas de capilarização das estruturas responsáveis pelo processo de outorga. "É preciso também reativar as secretarias regionais do Ministério das Comunicações, pois isso desburocratizaria a relação das emissoras com o governo e aumentaria o acompanhamento para que o ministério tivesse mais força para saber quem é comunitário".

Na avaliação de Joaquim Carvalho, a proliferação de rádios pseudo-comunitárias (ligadas a uma pessoa, políticos ou entidades privadas) é inclusive incentivada pelo próprio governo, que privilegia rádios ligadas a políticos e entidades específicas em vez das emissoras ligadas a uma associação representativa da comunidade. "As outorgas tem sido dadas para entidades que em sua maioria não têm representação comunitária, e as reais rádios comunitárias não estão conseguindo receber as permissões do ministério". Sem permissão, as emissoras são alvo das ações repressivas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Polícia Federal. Esses órgãos afirma que agem sob uma premissa da legislação brasileira para o setor, que define como crime a transmissão de sinal sem permissão do Estado.

O representante da Abraço vai além e afirma que o processo de repressão às rádios não legalizadas, feito pela Anatel e pela Polícia Federal, mas com algum grau de diálogo com o Executivo, tem tido como alvo as rádios "da base do movimento". "Enquanto existe rádio evangélica ou de político sem outorga, eles atacam as rádios do movimento, como os fechamentos realizados em Minas Gerais na semana passada e na região de Missões no Rio Grande do Sul esta semana", diz Carvalho. As rádios destes municípios gaúchos são exemplo de organização e são de onde saiu boa parte do grupo que hoje ocupa a direção nacional da Abraço.

Segundo opinião de Priscila Delgado, da ONG Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), o favorecimento a políticos é tão explícito que o governo pela primeira vez sistematizou este tipo de pressão. Ela cita o estudo feito por Cristiano Lopes Aguiar em seu mestrado na Universidade de Brasília, que revelou a existência de um banco de dados com as solicitações de parlamentares e outros políticos chamado "sistema pleitos". A pesquisa de Aguiar afirma que os processos apadrinhados têm 4,41 vezes mais chances de serem aprovados do que os demais.

Uma das medidas tomadas pelo governo para "resolver" o processo de legalização foi a criação de mais uma instância de análise dos processos, só que no Palácio do Planalto. No entanto, para Taís Ladeira, o nova dinâmica só piorou a situação. "Propomos que isso seja revisto e que os processos sejam encaminhados ao Congresso dois dias após a análise do Minicom, pois a análise no Planalto dura até 90 dias, o que aumenta o risco das rádios serem reprimidas".

GTI

Outra afirmação de Dulci criticada pelos movimentos foi a sugestão de criar uma força-tarefa para capacitar as associações candidatas a uma outorga, pois os problemas de legalização das rádios estariam na dificuldade destas organizações de cumprirem os requisitos do processo. "Documentos são coisas necessárias e às vezes quem cria uma rádio comunitária não está tecnicamente preparado para resolver a questão", disse o secretário-geral na entrevista concedida ontem.

"Não precisa mais força tarefa para nada, o que precisa é executar. O que precisa é participação", reclama Taís Ladeira. Para ela, o governo precisa é por em prática recomendações feitas pelos dois grupos de trabalho criados durante a gestão de Lula sobre o tema. O mais recente, apelidado simplesmente de GTI (por se tratar de um grupo de trabalho interministerial), concluiu seus trabalhos em 10 de outubro, mas até hoje o Presidente da República não recebeu o relatório. Segundo o Ministério das Comunicações, só falta um ajuste de agenda para que o documento seja repassado à Lula.

Para os movimentos, não é a análise equivocada ou os planos de Luiz Dulci que irão resolver os problemas das rádios comunitárias, mas as propostas oriundas do estudo feito pelo GTI. Por isso a preocupação das entidades em garantir que suas reivindicações históricas estejam presentes nestas resoluções. Tendo participado durante o processo de discussão do GTI de maneira informal, a avaliação das entidades é que as conclusões do relatório precisam avançar.

Em audiência realizada na Câmara dos Deputados no início de dezembro, os movimentos publicizaram suas críticas e recomendações ao relatório. A preocupação das lideranças está na ausência de propostas para resolver o problema da sustentabilidade (as entidades propõem a liberação de alguma forma de publicidade), da limitação de potência (hoje a legislação permite apenas 25 watts) e da anistia (o relatório prevê anistia para as pessoas presas até agora por conta de transmissão ilegal, mas não aponta nada para o futuro).

Enquanto o imbróglio do relatório feito pelo GTI não é resolvido, o movimento vem pressionando para algumas providências imediatas sejam tomadas por parte do Ministério. Em documento entregue ao ministério em dezembro último, as entidades solicitaram nova habilitação para abertura de novas rádios em no máximo 60 dias, em localidades indicadas por elas, e a criação de um sistema transparente de acompanhamento dos processos de outorga, com vistas a melhorar o controle sobre o trâmite dos pedidos. Foi solicitado também um estudo para rever a freqüência destinada às rádios comunitárias, que hoje vai de 87,5 à 87,7, considerada fora do dial pelo movimento. Em carta, o ministério respondeu as propostas informando que irá abrir nova habilitação e que cada entidade do movimento poderá indicar até 20 localidades. O texto afirma também que está em fase de finalização a elaboração de um sistema de informações mais ágil e que o estudo solicitado sobre a freqüência para as emissoras comunitárias foi encomendado à Anatel.

*Matéria de autoria de Jonas Valente publicada originalmente pela Agência Carta Maior.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Marcos, vc como responsável por esse blog, sabe nos informar cadê a Itapema, que não chega logo?

Abraço

Anônimo disse...

Eu também quero a Itapema fm o mais breve em São Paulo!