quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Rádios comunitárias saem unidas de Porto Alegre

DIOGO MOYSES

Porto Alegre - Uma rápida pesquisa sobre as atividades realizadas no espaço de comunicação no 5o Fórum Social Mundial (FSM) revela que a radiodifusão comunitária foi, certamente, um dos assuntos mais presentes nas mesas de discussão. Mesmo em debates cujo tema central era outro, dificilmente não havia um participante – brasileiro, quase sempre – para defender a importância das rádios comunitárias e para condenar as investidas de órgãos do governo federal contra as iniciativas populares.

A repressão às rádios comunitárias, ao contrário do que se esperava, aumentou significativamente após a posse do presidente Lula. Segundo dados do relatório “A Repressão Contra as Rádios Comunitárias no Brasil”, divulgado durante o FSM, em 2003 e 2004, foram fechadas aproximadamente oito mil rádios, enquanto outras oito mil aguardam que seus processos de outorga de concessões sejam analisados. O relatório ainda revela que boa parte das ações de fechamento das rádios são feitas com base no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), legislação do período da ditadura militar. Segundo Dioclécio Luz, um dos coordenadores da pesquisa “os números são enfáticos, incontestáveis, e revelam que houve uma clara opção do governo por defender os monopólios. Infelizmente, no campo da comunicação comunitária, só há notícias ruins”. O relatório ainda descreve dezenas de ações da Polícia Federal – a mando da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) – contra rádios e membros das comunidades. “Há muitos casos de violência física, assim como de procedimentos ilegais por parte dos policiais. O incrível é que tudo isso acontece em um governo que se diz popular”, completa Luz.

União contra a repressão
Reunidas em assembléia durante o último dia da 5ª edição do FSM, entidades brasileiras que representam rádios comunitárias em todo o país reafirmaram a intenção de unir esforços para lutar contra a repressão às iniciativas populares. No encontro, entidades como a Abraço (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias), a Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) e a Abccom (Associação Brasileira dos Canais Comunitários) aprovaram o envio de uma carta aberta ao governo Lula, ao Congresso Nacional e aos órgãos do Judiciário.

A divulgação da carta marca o início de uma série de ações conjuntas que as organizações planejam para 2005. “O processo que estamos construindo é de integração do movimento. Estamos decididos a caminhar juntos. Precisamos de uma pauta que nos una para que possamos enfrentar a repressão contra o direito legítimo de nos comunicarmos. Enquanto permanecer este modelo, não haverá liberdade de expressão e, portanto, democracia”, afirmou Joaquim Carvalho, diretor nacional da Abraço.

Segundo as entidades, a agenda do ano inclui principalmente o debate sobre a nova Lei Geral de Comunicações (LGC) e a construção de uma possível Conferência Nacional de Radiodifusão Comunitária. “Temos a convicção de que é imprescindível que a nova LGC seja discutida amplamente por todos os setores da sociedade. Nós precisamos construir uma proposta única para que tenhamos força nas negociações e nos debates públicos”, disse Tais Ladeira, representante brasileira da Amarc. Se a sociedade não interferir nos debates e a formulação da Lei ficar com o Executivo federal e com o Congresso, afirmam as organizações, o resultado pode ser a aprovação de uma lei que, no campo da comunicação comunitária, seja mais restritiva do que a atual.

A outra pauta central para os movimentos será a Conferência Nacional de Radiodifusão Comunitária. Segundo a proposta feita em 2004 pelo governo federal, a Conferência não teria caráter deliberativo e seu tema seria a relação das rádios comunitárias com o desenvolvimento local. Tanto a Abraço como a Amarc contestam veementemente o conteúdo da proposta e a forma como os debates têm sido conduzidos. “Ao contrário de todas as conferências temáticas realizadas até agora, esta não teria plenária final, o que revela que a intenção é que não haja qualquer interferência da sociedade nas políticas que regulam a radiodifusão comunitária. Além disso, não haveriam conferências preparatórias nos estados, o que é fundamental para legitimar o processo da Conferência”, completou Ladeira, para quem “essa iniciativa pode ser chamada de qualquer coisa, menos de Conferência”.

Articulação mundial pela comunicação comunitária
Presentes na assembléia das entidades brasileiras, representantes de organizações internacionais destacaram a importância das rádios comunitárias na luta contra o pensamento único que impera nos meios comerciais e para efetivar o direito de todas as pessoas de se comunicar. Para o uruguaio Gustavo Gómez, diretor do Programa de Legislação e Direito à Comunicação da Amarc para a América Latina e Caribe, a luta pela radiodifusão “insere-se em um movimento mais amplo que defende que a comunicação deve estar a serviço exclusivamente do interesse público. É uma luta conjuntural contra o neoliberalismo, mas também a defesa de que, em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo, todos devem ter o direito de se comunicar publicamente. Afinal, a expressão das minorias e maiorias sem acesso aos meios de comunicação comerciais é condição básica para a dignidade dos povos e das pessoas”.

Segundo Gómez, o contexto atual torna necessária a união mundial de todos os que acreditam que a comunicação comunitária é um direito que deve ser respeitado e promovido. “A globalização financeira está impondo aos países, especialmente aos pobres, normas e regras que os impedem de formular suas políticas locais de desenvolvimento”. O representante da Amarc afirma que, se os organizamos internacionais como a OMC (Organização Mundial de Comércio) considerarem a comunicação como um serviço, e não um direito, qualquer iniciativa local que apóie ou dê subsídios materiais ás rádios comunitárias será considerada como predatória à livre concorrência. “Por isso, os movimentos não podem se contentar em se articular nacionalmente. Precisamos de uma aliança mundial para combater a transformação da comunicação em mercadoria”. (Agência Carta Maior)



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