sábado, 31 de janeiro de 2004

Não falem mal do rádio

Entrevista com Júlio Manzano
Por José Paulo Lanyi
Colunista do Comunique-se

Como anda o jornalismo das emissoras populares de São Paulo? Esse é o âmago da conversa com um grande especialista em rádio destas largas redondezas: Carlos Manzano, um dos responsáveis pela programação da Rádio Capital, vice-líder de audiência AM em São Paulo (a líder é a Rádio Globo, puxada pelo Padre Marcelo Rossi) e diretor geral de produção da agência de notícias Rádio 2. Manzano é radialista e publicitário. Foi diretor de programação da Rádio Record AM/FM e diretor-geral e de programação da Rádio Gazeta AM/FM. Trabalhou nas agências Standard, Salles Interamericana e CIN.

Também é um exímio profissional do jornalismo, com quem- se o leitor me perdoa o acento pessoal- muito aprendi em alguns anos de convívio no rádio. Exigente, ora ranzinza, ora bem-humorado... um típico “italodescendente” (agora é moda falar assim).

Aqui ele realça a prestação de serviço, defende os esforços dos profissionais do meio e diz que muitos repórteres só ouvem o próprio trabalho.

Link SP- Qual é a sua análise sobre o jornalismo do rádio popular em São Paulo?

Carlos Manzano- Eu acho que tem um grande divisor que é a prestação de serviço, na emissora popular, que tem o seu foco voltado para o público C, D e E. Para a dona de casa, que eu, educadamente, chamo de “Dona Maria”, não interessa saber o que é Selic, o que é Copom, por que a sucessão de quedas da taxa de juros foi interrompida. A dona de casa tem o seu referencial maior que é na feira livre que ela freqüenta, nas idas ao supermercado e, mais, administrando o orçamento da casa. Eu já cansei de falar para caras que trabalharam comigo: “Você não está numa CBN, você não está numa Jovem Pan, você está numa rádio popular. Traduz, fala fácil”- o que é mesmo difícil. O que interessa para essa dona de casa? É o universo dela, a rua em que ela mora, o bairro em que ela vive, a questão da segurança, do saneamento básico, da qualidade da escola dos filhos... O que é que eu posso fazer como pauteiro, como repórter, como redator para facilitar a vida das pessoas que estão ouvindo a rádio em que eu estou trabalhando? Eu tenho que pensar nisso antes de escrever qualquer coisa. Nessa questão do popular, pode ser muito melhorado. Tem que pisar mais fundo no acelerador da prestação de serviço, despojadamente.

LSP- As fontes que vocês procuram para explicar um assunto mais complexo falam fácil?

CM- Primeiramente, são credenciadas. O que é fonte credenciada? No contexto acadêmico nacional, é a Universidade de São Paulo, é o Incor, é o Hospital das Clínicas. Não é o acadêmico, o bacana, o cheio de medalhas. Não, é o cara que tenha o credenciamento para falar sobre determinado assunto, preferencialmente que seja uma pessoa articulada. O repórter diz: “Nós vamos falar com a ‘Dona Maria’, com a dona de casa; se o senhor puder traduzir as inevitáveis afirmações acadêmicas, mais ortodoxas sobre a matéria, eu agradeço”. Ou o repórter faz essa lição de casa. Porque ele faz o intermédio, coloca-se na posição do ouvinte, como leigo, para levantar as questões. Nada mais justo que ele não interprete, mas traduza algumas afirmações feitas pelo entrevistado.

LSP- Qual é a reação do jornalista que acabou de chegar a uma emissora popular? Ele tem dificuldade de se adaptar?

“Ouvinte não entende, mas sabe tudo”

CM- O grande problema das pessoas que trabalham em um veículo como o rádio é não ouvir o veículo. É inadmissível. Você tem que consumir o veículo. Você faz para quem está ouvindo, tem que se envolver com o que está fazendo. Isso vale para repórter, para produtor, para comunicador. O cara tem que ter a extensão do todo bem definida para saber como é a amarração, a linguagem da programação. E, pasme, eu constato que muitos profissionais não ouvem rádio. “Ah, não dá tempo, Manzano. Ouvi pouco”. O cara está interessado em ouvir a matéria que ele fez, botou no ar e ali termina o interesse dele. Tá errado. Isto vale para qualquer lugar: eu jogo melhor quando eu conheço o campo em que eu estou trabalhando. Eu sei que se tem uma caída aqui, quando chove alaga ali, me posiciono diferente. Você trabalha em rádio, tem que ouvir rádio. Se o cara se empenhar, tiver humildade...

Eu aprendi a falar muito em microfone e a escrever texto conversando com colega de redação e discutindo com operador de áudio. “Não, não fala assim, não”, “Pô, essa notícia aí é meio...”. O cara te dá uns toques muito importantes. Então você tem que ter humildade para ouvir profissionais com uma grande vivência adquirida para usar como referência pessoal. Quando você vê a história recente do rádio, vê grandes personalidades, grandes repórteres que marcaram, que tinham um jeito de falar, tinham uma pegada, se relacionavam com quem tivesse no ar para chamar a matéria, complementavam, davam um toque, sem ser “espaçosos”. Isso é uma conquista. Como tudo na vida, microfone não é diferente. É um processo de sedução. O ouvinte gosta ou não gosta de você. O ouvinte não entende de nada, mas sabe tudo. Sabe se o cara está sendo verdadeiro, sabe se o cara acordou agora, se o cara chegou atrasado, se ele leu o texto antes de ir para o estúdio - inevitavelmente, nunca lê... (risos).

LSP- Que emissoras fazem o melhor jornalismo popular em São Paulo?

CM- Acho muito difícil dizer quais as melhores. Tenho a oportunidade de conviver com profissionais de outras emissoras. Muitas vezes o ouvinte acha: “O pessoal da Rádio Capital nem fala com o pessoal da Rádio Globo, da Rádio Record...”. Bobagem, a gente convive, troca informações. Existe uma concorrência, neste universo que não é interessante, de sessenta e tantas emissoras, mas tem a questão do coleguismo, etc.e tal. Tem muitas diferenças entre uma popular e outra, até em envolvimento regional maior ou menor. Dentro das limitações- e eu não estou sendo simpático, nem “murol”, porque eu não sou “murol”-, acho que se faz. Dava para fazer mais? Dava. Mas dentro desse quadro da competitividade, da dificuldade do mercado publicitário, são bons profissionais, tenho conhecimento de boas equipes que existem.

Dentro das limitações, o cara contorna, tem ginga de cintura para fazer um bom serviço. Não dá para falar do rádio sem tesão, sem amor, sem paixão. “Fale tecnicamente...” Não dá, você tem que botar coração nisso. Antes de criticar, de falar “é bom, é mal feito, ‘não sei o quê’”, precisa conhecer um pouco melhor a realidade do rádio para poder avaliar e emitir um juízo de forma conseqüente, não ser uma coisa idiota. Já ouvi colega dizer que o rádio vai acabar. Bobagem. O rádio sempre vai ter o público dele, porque é o companheiro, é o amigo de todas as horas, é uma coisa importante de referência para as pessoas. O rádio sempre vai ter espaço. Respeito, admiro e torço pelos profissionais que trabalham nesse meio, apesar dos salários cada vez mais achatados, perspectiva de crescimento profissional difícil. São caras que batalham, que têm emoção e paixão pelo veículo. O rádio tem que ser respeitado. É fácil meter a boca, “Isso aí é comodismo...”. Eu não tenho botão mágico que se chama “departamento de recursos ilimitados” para fazer o que eu quero. É muito fácil criticar. Há mais de 30 anos nesse meio, eu conheço, sei das limitações, sei do empenho de equipe, sei até dessa questão de frustrar, de querer fazer mais, mas não poder. Tem gente no rádio que continua entusiasmada, que não se deixa, por mais difícil que esteja, acomodar. Não. É em função disso que a chama do velho e bom rádio vai continuar acesa para sempre.

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