domingo, 3 de agosto de 2003

Do outro lado da Via Dutra

O Que Kid Abelha, a Fluminense FM e a Canção Nova têm em comum?

Marcelo Delfino
Do Tributo ao Rádio Carioca

À primeira vista, esta pergunta pode parecer absurda. Mas quem já leu o livro "BRock - O Rock brasileiro dos anos 80", de Arthur Dapieve (Rio de Janeiro, Editora 34, 1995), ou outro livro sobre o mesmo assunto, já leu o encarte da reedição de 2001 do álbum "Seu Espião", do Kid Abelha, e tem acompanhado os passos da rádio Canção Nova do Rio, já deduziu a resposta.

Em 1982, a recém-formada banda, ainda sem nome, formada por Paula Toller (vocal), George Israel (sax), Leoni (baixo), Carlos Beni (bateria) e Pedro Farrah (guitarra) tocava apenas em condomínios de classe média alta do Rio. Tinha umas poucas músicas próprias. Com o surgimento da Fluminense FM e do projeto "Rock Voador", que revelava novas bandas, no Circo Voador, a banda decidiu gravar uma fita demo, para levar à rádio.

A banda conseguiu 6 horas de estúdio, de graça, num prosaico estúdio de 8 canais, chamado Sonoviso. Tal estúdio pertencia à editora Vozes, que pertence à Ordem dos Frades Menores (os frades franciscanos). O estúdio Sonoviso e a filial carioca da Vozes funcionavam num prédio cedido, anexo à Igreja de Sant´anna, na Rua Benedito Hipólito, 1, na Praça 11. O estúdio ficava no 1º andar.

Durante as 6 horas, a banda gravou e mixou duas músicas próprias, de autoria de Leoni e Beni: "Distração" e "Vida de cão é chata pra cachorro". A fita demo foi levada por Beni à Fluminense FM. Alguém da rádio alertou que a banda só poderia ser tocada na rádio se tivesse um nome, que não tinha ainda. Beni puxou do bolso uma lista de nomes, pinçados pelos integrantes, fechou os olhos e apontou um nome, aleatoriamente. O nome cravado foi Kid Abelha e os Abóboras Selvagens.

A fita só foi ao ar porque pouco mais da metade da produção da rádio aprovou. A "quase" metade que havia reprovado, inclusive o diretor Luiz Antonio Mello, teve que aceitar o estouro das faixas, principalmente de "Distração", que Luiz Antonio achava extremamente boba. O fato de Paula Toller já ser, desde então, uma mulher inteligente, aguerrida e simpática, lhes servia de consolo.

As duas músicas foram parar também no LP "Rock Voador", pau-de-sebo lançado pelo Circo e pela Warner, e posteriormente relançado em CD. Hoje, as músicas estão editadas, como faixas-bônus, no CD "Seu espião", de 2001, relançamento do LP de estréia do Kid Abelha, gravado em 1984.

O restante da história do Kid Abelha e da Fluminense FM, a maioria dos leitores devem saber. Inclusive o fato de que o LP "Seu Espião" foi mixado nos estúdios da Transamérica FM do Rio.

O tal estúdio Sonoviso foi desativado, junto com a saída da Vozes do prédio. Anos depois, a Igreja de Sant´anna cedeu o prédio para a Comunidade Canção Nova. Com o arrendamento da Fluminense AM, em 2002, a Canção Nova decidiu instalar o estúdio principal da rádio exatamente no mesmo local onde, anos antes, ficava o estúdio Sonoviso, que sediou a estréia do Kid Abelha num estúdio de gravação.

Tudo isso é importante para frisar que o Rio está cheio de histórias pitorescas como estas. Quem chega de fora, como a Comunidade Canção Nova, é sempre bem vindo, mas quem pretende fincar raízes e participar da história desta cidade e deste estado, precisa saber que há uma história prévia, que deve ser conhecida, jamais desprezada.

Ficamos contentes com a permanência do sucesso do Kid Abelha, que faz parte da história musical, e até radiofônica, do Rio e do Brasil. Ficamos contentes com o sucesso da Canção Nova AM do Rio, que montou uma boa e desinteressada programação local, que se reveza com a nacional. E ficamos contentes também com a recuperação da Transamérica FM 101,3, que tem merecidamente atraído novos ouvintes.

Só lamentamos a triste fase que a ex-roqueira Fluminense FM 94,9, hoje "rádio adulta", vive hoje. Nossas fontes secretas garantem: o Ibope da rádio está praticamente igual ao da fase rock de 2002-2003. Só Deus sabe o que deve estar passando agora na cabeça do dr. Amora...

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