Na casa em Audubon Place, o rádio estava sempre ligado na cozinha e sempre sintonizado na WWOZ, a grande estação de Nova Orleans que toca basicamente rhythm and blues das antigas e música gospel da zona rural sulista. Meu DJ favorito, sem dúvida, era Brown Sugar, uam disc jockey mulher. Ela estava no ar de madrugada, tocava discos de Wynonie Harris, Roy Brown, Ivory Joe Hunter, Little Walter, Lightnin'Hopkins, Chuck Willis, todos os grandes. Ela costumava me fazer companhia mutas vezes, quando todos os outros estavam dormindo. Brown Sugar, quem quer que fosse, tinha uma voz encorpada, lenta, sonhadora, vertendo melado - parecia grande como um búfalo -, ela tagarelava, atendia ligações telefônicas, dava conselhos amorosos e botava os discos a rodar. Eu me perguntava qual seria a idade dela. Me perguntava se ela sabia que sua voz ahvia me atraído, me enchido de paz interior e serenidade e endireitado toda minha frustração. Escutá-la era relaxante. Eu olhava o rádio fixamente. O que quer que ela dissesse, eu podia ver cada palavra que ela dizia. Podia escutá-la durante horas. Onde quer que ela estivesse, eu desejava poder me colocar todo lá.
A WWOZ era o tipo de estação que eu costumava ouvir tarde na noite quando era garoto, e aquilo me levou de volta às aflições de minha juventude e tocou seu espírito. Naquele tempo, quando algo estava errado, o rádio podia pôr as mãos em você, e tudo ficaria bem. Havia uma estação de rádio country também, que entrava no ar cedo, antes do amanhecer, e tocava todas as canções dos anos 50, um monte de material de western swing - ritimos clip clop, canções tipo "Jingle, Jingle, Jingle", "Under the Double Eagle", "There's a New Moon over My Shoulder", "Deck of Cards", de Tex Ritter, que eu não ouvira por cerca de trinta anos, canções de Red Foley. Eu ouvia muito disso. havia uma estação de rádio desse tipo em minha cidade natal também. Em certo sentido esquisito, senti como se estivesse no princípio, começando a viver minha vida de novo. Havia uma estação de jazz também - tocava basicamente coisa atual: Stanley Clark, Bobby Hutcherson, Charles Earland, Patti Austin e David Benoit. Nova Orleans tinha as melhores estações de rádio do mundo.
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Trecho do livro "Crônicas - Volume um", de Bob Dylan. Na edição brasileira, a parte transcrita acima está nas páginas 206 e 207. Ela integra o capítulo intitulado Oh Mercy. Nele, o cantor conta como foram os bastidores da gravação do álbum de mesmo nome, lançado em 1989. Em vez de contar sua biografia de forma linear, Dylan optou por pegar trechos de sua vida profissional que julgava represntativos e esmuiça-los. Estão previstos ainda mais dois volumes de crônicas.
A WWOZ citada por ele tem site na web: http://www.wwoz.org. Melhor: dá para ouvir seu aúdio. Sobre Brown Sugar, procurei por ela no Google. Achei um texto de 1995 assinado por Steve Behrens em que seu verdadeiro nome é revelado: Belle Moore. No momento em que escrevo este post, está tocando uma versão ao vivo para Just My Imagination, clássico dos Temptations, cantada por Dianne Reeves.
Dylan não se limitou apenas a ser um ouvinte de rádio. Atualmente , ele tem um programa, transmitido por uma rede de rádio via satélite.
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