sábado, 25 de julho de 2009

Músico revela pressões e ingerência de gravadora para música tocar na rádio

por Mauricio Stycer, repórter especial do iG

Como se escolhe a música de sucesso de um disco, aquela que vai tocar sem parar no rádio? Por que algumas músicas tocam, e outras não? É preciso pagar o famoso “jabá” para tocar na rádio?

Não se surpreenda se você não sabe as respostas a esta pergunta. Pouca gente sabe. A relação entre músicas, gravadoras e rádios é uma espécie de caixa preta, muito bem protegida e imune, inclusive, à investigação jornalística. Mesmo músicos progressistas, com idéias avançadas e críticas sobre o mercado fonográfico, costumam ser tímidos na hora de falar deste assunto delicado.

É por esse motivo que convido o leitor a conhecer um texto do músico Tico Santa Cruz, publicado nesta quinta-feira, em seu blog. Trata-se de um desabafo do artista contra o que ele vê como uma perseguição de um conjunto de rádios FM, do grupo Mix, ao seu grupo, o Detonautas.

Descontado os excessos retóricos, o texto descreve os percalços de uma banda no esforço de tocar sua música na rádio. A revelação mais surpreendente, na minha opinião, é a de que a emissora exigiu dos Detonautas que alterassem uma música já gravada para se adequar aos padrões da emissora. Escreve o músico:

"Em 2006 lançamos um disco totalmente fora dos padrões EMO que começavam a dominar a cena e tivemos novos percalços. O 'Psicodeliamorsexo&distorção' (baixe quem quiser ouvir) veio com uma pegada muito mais pesada e abordagens diferentes dos discos anteriores. Fomos mal recebidos de forma geral por conta da escolha da primeira musica de trabalho 'Não reclame mais' que tem uma letra sacana e um olhar diferente das influências que nos regiam. Então veio nosso segundo problema com a Rádio Mix. Eles queriam que nós modificássemos a estrutura original da música, baixando as guitarras e refazendo os arranjos para que pudesse tocar em sua programação. Chegaram a sugerir que mandariam um produtor DELES para pegar a MASTER ABERTA de nossa gravação e colocar o padrão Mix de som. Nós batemos o pé e não aceitamos."

Os Detonautas não aceitaram a proposta, conta o músico. Porém, por entenderem que era essencial tocarem nesta rádio, se dispuseram a fazer uma nova gravação da mesma música, de forma que ela ficasse mais adequada à rádio.

"Isso gerou uma crise na nossa antiga gravadora e depois de muitos problemas aceitamos a proposta de fazer um especial acústico para a FM em questão de onde eles tirariam a versão que achassem melhor. Uma maneira que encontramos de equilibrar os interesses de todos os envolvidos e não modificar a obra original".

O grupo Mix de rádio foi procurado pela reportagem do Último Segundo, mas não quis comentar o assunto. O próprio Tico Santa Cruz também não quer falar mais sobre o tema. Diz que tudo que tem a dizer está no texto publicado no blog.

* Colaborou Gustavo de Lucca


Comentário: A relação de que fala Maurício Stycer não é tão caixa-preta assim. Talvez se ele mudar a palavra jabá para a expressão acordo comercial, talvez ela possa se abrir. Trago aqui dois exemplos.

1) A entrevista de Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, à revista Playboy. Selecionei alguns trechos:

"(...)Por isso é tão escandalosa a crítica mais recorrente a Tutinha: de que ele cobra jabá (presentes, dinheiro ou vantagens) para que artistas toquem em sua rádio. Ele não nega, embora não goste do termo - prefere falar que é um "acordo comercial". Sem constrangimento, Tutinha diz ter ganhado 1 milhão de dólares por ter lançado a cantora colombiana Shakira no Brasil"

Outro trecho

PLAYBOY> Muita gente dizque você é jabazeiro [que cobra jabá].
TUTINHA> Me chamem do que quiser. Na minha rádio tem nota fiscal, tô pouco me danando. O cara para entrar no Fantástico também paga. Jabá é quando você faz ilegalmente na empresa. O que eu faço são acordos comerciais.

PLAYBOY> Que tipo de acordo?
TUTINHA> Por exemplo: hoje chegam 30 artistas novos por dia na rádio. Por que eu vou tocar? Eu seleciono dez, mas não tenho espaço para tocar os dez. Aí eu vou nas gravadoras e para aquela que me dá alguma vantagem eu dou preferência.

PLAYBOY> Que vantagem?
TUTINHA> Se você tem um produto novo, você paga pra lançar. Era isso o que eu fazia. Eu tocava, mas queria alguma coisa. Promoção, dinheiro. Ah, bota aí 100 mil reais de anúncio na rádio. Me dá um carro pra sortear para o ouvinte. Mas hoje não tem mais isso. As gravadoras não têm mais dinheiro. O que pode existir é o empresário fazer acordo. Ah, toca aí meu artista e eu te dou três shows. Ou uma porcentagem da venda dos discos.

PLAYBOY> Isso não é jabá?
TUTINHA> Não. Na Jovem Pan nunca teve jabá. Antigamente as rádios tinham. Quando eu comecei a trabalhar, até me assustava. A Rádio Record ficava junto com a Jovem Pan. Na época, chegava o cara da gravadora e dava dinheiro, walkman, relógio para o radialista. Quando eu entrei, eu pegava essas coisas para a Jovem Pan. Nas outras rádios, os donos não estavam. Eu não tinha interesse em roubar a Jovem Pan. Queria fazer negócio. Antes o rádio era muito amador. Então a gravadora dava uma coisa pro cara, dava mulher.


2) Entrevista de Roberto Miller Maia, ex-Rádio Brasil 2000 a este blog

Pergunta - E a questão do jabá. Como a Brasil 2000 lidava com isso?

Maia - O consumidor em geral não sabe o que o preço do disco significa, mas você tem embutido no valor uma porcentagem de custo e a verba de marketing. Entenda marketing como quiser, esse dinheiro pode ser usado para o que se quiser: fazer cartazes, levar a banda para entrevistas, fazer camisetas, adesivos etc. De um disco que vende 100 mil cópias, pelo menos o dinheiro lucrado da venda de 20 mil cópias é para isso.

É uma conta meio maluca, isso vira um dinheiro em caixa. Se você tem uma banda nova não vai possuir essa verba porque ninguém te conhece, então se pega emprestado de um conjunto muito famoso. Por isso é que se fala erroneamente que uma banda consagrada ajuda a lançar bandas novas. Não é isso, é porque a verba que sobrou para divulgar um cara que vendeu dois milhões de cópias vai ser usada para divulgar a banda nova. Essa verba é o que se convencionou a se chamar de jabá porque ela é utilizada ao bel prazer do diretor de marketing. Dá para se fazer todo tipo de coisa com essa verba: comprar um Mercedes para sortear na emissora ou então levar o ouvinte para ver um show do U2 em Miami e depois passear com o Bono de limusine, por exemplo. Tudo isso é fruto dessa verba de marketing que o pessoal chama de jabá. Isso em outras épocas entrava no bolso de alguém diretamente, sem constrangimento, para o programador ou qualquer pessoa que mande na rádio. Essa verba de marketing virou um conforto, faz-se tudo para a rádio com essa grana, tornou-se uma facilidade para quem trabalha. E qual a moeda disso? Divulgar o determinado artista.

Não existe o estar pagando para tocar, mas existe um acordo de cavalheiros. Como o U2 está dando ao ouvinte da rádio uma oportunidade de uma promoção que leva o sujeito para Miami, em contrapartida tem que se mostrar o trabalho dos caras. Por que uma banda fica famosa? Tem sempre aquele trabalho de marketing. Por mais que uma banda seja brilhante ou excelente alguém precisou falar sobre ela, instigar as pessoas a gostarem daquilo. E também existem as armações, que não duram nada. Se a banda for ruim, não vai adiantar. Tem que existir um mínimo de talento, de empatia com aquele grupo de pessoas a quem você vai oferecer esse produto. Isso tudo deveria ser uma coisa mais clara, ficou uma coisa obscura durante todos esses anos. Se tudo fosse às claras, não existiria corrupção.

3 comentários:

Marcelo Delfino disse...

Será que, depois disso tudo, ainda há quem leve a sério o trabalho do Tutinha e da Jovem Pan FM?

Tutinha é muito cara de pau. Não é à toa que a JP FM foi ejetada do dial carioca duas vezes.

Antonio Firmino disse...

Belo texto. Sempre deparamo-nos com essa história.

"Antes o rádio era muito amador. Então a gravadora dava uma coisa pro cara, dava mulher." Deus do céu, esse trecho é de estarrecer.

É bom observar e ficar desconfiado ao constatar que existem músicas renomedas de "Radio Edit", "Radio Version", reduzindo o tempo de duração de em média para 3 minutos, caso a música tenha mais de 4 minutos.
E mais: os CDs de coletânea fazem verdadeiras mutilações das músicas, cortando a parte final de 5 segundos a 3 minutos. Não vale a pena comprar CDs de coletânea.

Anônimo disse...

Desse jeito,somos sempre obrigados a ouvir os mesmos artistas.
Muito artista que está começando e tem valor nem sabe como isso funciona.
Infelizmente para a vergonha de nosso país......