quarta-feira, 14 de abril de 2004

O dilema das FMs de elevador

Laura Mattos
Da Folha de São Paulo

Sabe aquela música calminha que ouvimos no elevador, no consultório do dentista e na espera do telefone? Pois as rádios responsáveis por esse "som ambiente" estão num processo de mudança em ritmo nada lento. Querem um público mais jovem, chamariz de anunciantes. Para isso, estão ampliando o espaço de músicas novas, até lançamentos, em meio à enxurrada de flashbacks da programação.

É o caso da Alpha FM (101,7 MHz), a mais ouvida no segmento "adulto", segundo o último relatório divulgado pelo Ibope. "Queremos acabar com o estigma de rádio de elevador e dentista. Pode até tocar no consultório, mas sem o trauma do motorzinho", brinca Eduardo Leite, coordenador artístico.
Segundo ele, isso vem do tempo em que a emissora, que completa 17 anos em outubro, tocava apenas instrumental. "Esse tipo de música não é proibido hoje. Mas tem de ser compatível com nossa linha. Kenny G está fora porque ganhou ranço de brega, de comercial de motel", afirma Leite. O público da Alpha é majoritariamente da classe AB, com mais de 30 anos. Com 91 mil ouvintes por minuto, marcou o 11º lugar no Ibope.

Em 12º (77 mil ouvintes) ficou a Antena 1 (94,7 MHz). Só internacional (a Alpha toca nacional também), segue a mesma busca por rejuvenescimento.
De acordo com Vlamir Marques, coordenador artístico, a Antena já chegou a ocupar 95% da programação com flashbacks, que hoje ficam com 80%. De forma gradual, planeja tocar mais músicas recentes. A questão "elevador-dentista" não o incomoda. "Gosto de ouvir a rádio no elevador, na espera do telefone. Isso divulga a emissora. E sei que é sintonizada em outros locais."

Dentre as "tops" adultas, há outras duas FMs. A mais "velha" é a Scalla (92,5 MHz), só instrumental. Ficou em 25º, com 22 mil ouvintes. A mais "jovem" é a Nova Brasil (89,7), só nacional. Marcou a 14º posição (69 mil ouvintes).


Mais uma vez, a famosa "ditadura" dos índices de audiência acerca as cabeças pensantes da radiodifusão paulista. Os entrevistados falaram tudo, menos se eles tinham convicção no tipo de programação que eles mesmos produzem. Ô, gente sem fé, viu?

Quem disse que Kenny G. ganhou ranço de brega? Para mim, esse cara é insuportável. Porém, minhas tias, que são ouvintes assíduas da Alpha, simplesmente adoram. E o Eduardo Leite e o Vlamir Marques, gostam ou não gostam de Kenny G? Não dá para fazer rádio se a pessoa fica mais preocupada com os índices de audiência do que com o que as pessoas e elas mesmos querem ouvir.

Além do mais, ficar se guiando pelos levantamentos dos institutos de pesquisa - que por si já são falhos quando o assunto é rádio - pode levar a erros quase irreversíveis, como foi o caso da Eldorado FM, que julgava estar com baixos índices de audiência. Na tentativa de subir o número de ouvintes, resolveu "renovar", tentando por no ar uma programação mais "jovem", com mais pop rock. Resultado: perdeu a audiência altamente qualificada que tinha - e que tem um poder aquisitivo e de decisão de compras muito superior ao dos demais segmentos - e não ganhou os ouvintes mais jovens que não tinha. Tanto é que enfiou uma retransmissão do Jornal Eldorado nas manhãs de segunda a sexta, em detrimento do ótimo FM Notícia, este sim, um produto adequado ao público que eles tanto queriam.

O problema de emissoras como a Antena 1 e Alpha, se é que eles realmente existem, não é o tipo de programação que fazem, mas como eles fazem. A Antena 1 tem os melhores locutores de rádio, porém parecem ser proibidos de anunciar e desanunciar as músicas que tocam. As locutoras da Alpha já foram acusadas por alguns leitores daqui de terem a pronúncia ruim e de não saberem conduzir uma locução ao vivo e de improviso.

A mesma Alpha não se empenha em mostrar coisas diferentes para seus ouvintes. Só o que as gravadoras mandam e flash backs consagrados. Enfim, são pequenos erros que acabam irritando e afastando o chamado ouvinte com mais de 30 anos, se é que eles se afastam.

A tentação de satisfazer o público que vai dos 15 aos 29 anos é enorme em todas as mídias. Todos querem fazer rádio para gente jovem, mas é preciso ter competência e visão do que isto significa. Este público talvez seja maior e mais homogêneo, comparando-se a outros.

Mas se a preocupação deles é somente dinheiro, vale lembrar que os "jovens" costumam ter um poder de compras muito menor e que supostamente não consomem tudo o que lhe oferecem os anunciantes. Além do mais, já há várias emissoras aqui em São Paulo que disputam a audiência deste filão, cabeça a cabeça, quase literalmente. Vale a pena trocar o certo pelo instável? E, por fim, o público "jovem" de hoje será o "adulto" de amanhã. Quem descobrir o que se passa na cabeça dos ouvintes, se sairá melhor, comercialmente ou não.

E por falar em comercial, alguém já se dispos em investir na programação de rap de emissoras como a 105 FM, hein?

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