segunda-feira, 22 de setembro de 2025

De R$ 15 no bolso a R$ 100 milhões em faturamento: como uma tragédia se transformou em missão e propósito


 

Em um escritório elegante na Vila Leopoldina, em São Paulo, um homem sorri serenamente enquanto observa pelas câmeras de segurança sua equipe organizar mais um showroom repleto de carros de luxo. O ambiente cheira a couro novo e metal polido, e o reflexo das luzes se multiplica nos vidros dos automóveis, mas o brilho mais marcante é o de alguém que aprendeu a transformar quedas em combustível. 

Harife Mello, hoje um nome de peso no setor automotivo, comanda a Carhaus, um verdadeiro império que fatura cerca de 100 milhões de reais por ano. O que poucos sabem, no entanto, é que, antes de chegar até aqui, Harife precisou reconstruir a vida diversas vezes, em cenários de perda total e recomeço absoluto.

Das primeiras negociações à falência - Nascido em uma família de classe média, Harife conheceu o trabalho cedo. Aos 14 anos, após perder o avô que o criou, começou a trabalhar numa agência dos Correios. De lá, seguiu por uma odisseia empreendedora: motoboy, vendedor, montador óptico e operador de recarga de cartuchos. Em cada passo, um aprendizado. Em cada queda, uma nova tentativa. Não havia margem para escolhas: a necessidade se impôs e, junto a ela, a disciplina de quem entendeu rápido que nada vem de graça:

“Em um determinado momento, juntei dinheiro, investi num lava-rápido a seco dentro de um hipermercado, e perdi tudo. Tive que voltar a ser office boy na ótica onde minha mãe trabalhava. Foi um tombo enorme”, lembra Harife.

Ainda assim, o fascínio por automóveis nunca saiu de cena. Sua primeira negociação marcante foi a compra de uma caminhonete, um sonho de consumo da época, que ele revendeu para ter lucro: “Foi ali que percebi que eu ganhava mais dinheiro com carros do que em qualquer emprego formal.”. A sensação de liberdade ao dirigir também virou intuição de negócio: os carros seriam não só mais uma paixão, e sim um destino.

Aos poucos, o que era renda extra se tornou o centro da vida. Harife passou a alugar espaços em estacionamentos para vender carros, até abrir sua primeira loja. Mas a crise de 2008 derrubou o negócio: “Cheguei a ter 15 reais no bolso e precisei escolher: pegar um ônibus ou gastar o dinheiro numa lan house para enviar currículos. Fiquei com a segunda opção. Foi a decisão que mudou minha vida”.

Dessa escolha, veio a oportunidade. Contratado como vendedor de uma concessionária, rapidamente se destacou e o sucesso trouxe um bom salário, e também uma arrogância - inerente ao ser humano - que apareceu sem avisar: “Nessa época, eu me achava melhor do que os outros. Ganhava muito bem para a minha função e idade. Eu ainda não sabia, mas esse comportamento estava prestes a mudar’’.

“Respira, você está vivo” - Em 2010, uma noite mudou tudo. Após beber em uma festa, Harife assumiu o volante. Depois de deixar amigos em casa, perdeu o controle do carro a 200 km/h. O veículo capotou seis vezes e ele estava sem cinto. Resultado: coma, coluna quebrada e uma lesão medular irreversível: “Quando acordei, ouvi: Respira, você está vivo. Aquilo virou meu mantra”.

O que parecia a sentença do fim, virou novo ponto de partida. Harife mergulhou em fisioterapia, aprendeu a viver em cadeira de rodas, superou a vergonha ‘‘de olhar de baixo para cima’’, e reconstruiu a autoestima. Nos primeiros meses, a adaptação foi dolorosa: “Quando você não tem os movimentos das pernas, o tronco é que te sustenta. Eu ainda não estava adaptado, então caía para os lados e só chorava”. Cada lágrima, no entanto, era também a fundação para erguer uma nova estrutura interna: mais forte, mais consciente e mais humana.

Da reabilitação ao império - Com resiliência, voltou ao mercado. Montou escritórios, retomou negociações e, durante a pandemia, viu a explosão definitiva: “Foi quando mais ganhamos dinheiro. As pessoas compravam carros sem pensar. Ali minha vida mudou, não só no que diz respeito ao saldo bancário''. Neste período crescia, também, o alcance da mensagem de que a vida pode ser ressignificada.

Hoje, o que menos importa para Harife é o faturamento milionário do fim do mês, e sim o significado da sua jornada. A história do empresário passou a inspirar milhares nas redes sociais: ‘‘Recebo mensagens de pessoas que estão prestes a cometer suicídio, e desistem de tirar a própria vida após ouvirem minha trajetória’’.

Após o trauma, novos laços e um novo propósito - A transformação de Harife não foi apenas profissional. Após o acidente, nasceu um novo capítulo: ele conheceu sua esposa Gabriela, um amor que trouxe leveza, apoio e até incentivo para a reconstrução de laços familiares. Foi ela, inclusive, quem o convenceu a procurar o pai, que não conhecia, um encontro emocionante que resultou numa relação próxima, de amizade e cumplicidade improváveis para o Harife de antes do acidente. Ele também se reaproximou da mãe, com quem pouco conviveu na infância, e fortaleceu laços que antes pareciam perdidos. Harife foi, literalmente, do vazio das perdas ao topo do mercado automotivo em meio às muitas frustrações ao longo do caminho.

“Antes eu vivia intensamente, mas de forma impulsiva. Hoje vivo com propósito. E quero mostrar que sempre existe uma saída. Se eu, que perdi tudo, que fiquei paraplégico, consegui voltar ao topo, reencontrar a importância dos laços afetivos e descobrir o verdadeiro valor das coisas que o dinheiro não pode comprar, qualquer um pode conseguir, desde que não desista''.

Nenhum comentário: