quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

Diretor da Crownley afirma que jabaculê não existe mais

Rodrigo Rodrigues e Enio Martins
Da Rádio Agência

O que esperar de um cara que se chama Paul Smith e trabalha na Crowley?
No mínimo, um gringo enviado em missão especial ao Brasil por uma gigantesca multinacional. Nada disso. Ou melhor, quase isso: a Crowley Broadcast Analysis realmente é uma empresa de fora que atua por aqui desde 1997, especializada em monitoração eletrônica de rádios. Trocando em miúdos, a Crowley está para o Rádio como o IBOPE está para a TV, fazendo, entre outras coisas, o famoso ranking das músicas mais executadas nas programações de 300 emissoras em todo o território nacional.

Coisa de louco. Coisa de deixar dono de Rádio mais louco ainda. Os publicitários também ficam ansiosos pelos tais MediaSpot e FlexMonitoring, ferramentas que ajudam na fundamental tomada de decisão por parte dos anunciantes. Onde anunciar? Como? Quando? Por quê? Santa confusão, radiofônicos de plantão ! Calma, gente... sem pânico. Lendo o papo como o diretor geral da Crowley Brasil, caro leitor, você vai entender melhor pra que servem todas essas palavrinhas gringas aí.

Bom, sobre o nosso Paul, de gringo ele não tem nada, é um legítimo Smith de... Aracajú ! Curtindo uma de carioca há tempos, "o homem por trás dos relatórios" contou com exclusividade ao RA como a CBAB monitora tantas Rádios ao mesmo tempo, defendeu as gravadoras, tão criticadas por grande parte do meio artístico, reconheceu a força dos selos independentes e, por incrível que pareça, afirmou que o tradicional e amaldiçoado "jabaculê" já não existe mais.

Duvida? Com a palavra, Mr. Paul Smith do Sergipe.

Rodrigo Rodrigues


Rádio Agência - Quando e como foi criada a Crowley? O que é a Crowley?

Paul Smith - A idéia dela foi de 1995 para 1996, e foi inaugurada no Brasil em 1997, efetivamente. Para que se fizesse monitoração eletrônica de músicas.

RA - Ela é nacional ou veio de fora ?

PS - Veio de fora pra cá. É um grupo americano e é uma empresa única, pode-se dizer que o nosso grupo lá fora é muito mais direcionado pra Telecom, empresas de alta tecnologia, que é isso até, que tem a ver com a gente aqui. Existia uma oportunidade. Na época o Brasil era o quarto ou quinto mercado mundial, em 97 e, por incrível que pareça, era o único mercado que não tinha monitoração eletrônica. Era tudo na base do vamos-escutar-enquanto-estou-lavando-roupa-cozinhando... e tinha muito isso mesmo. A pessoa tinha uma lista de 40 músicas e ficava ouvindo a música em casa que, quando tocava, marcava um pontinho ali, outro aqui e no dia seguinte vinha um relatório.

RA - E a Crowley têm concorrentes por aqui ?

PS - Em termos de música, a gente tem, fora das praças que a gente atua hoje, a Sintonia, que faz a parte do norte do país e tem uma outra que eu realmente não lembro o nome agora. Existem duas concorrentes hoje. Em termos de comercial, existem vários.

RA - Você acha que os radiodifusores entendem a importância dessa ferramenta para o mercado ?

PS - Eu acho que eles entendem que, sem uma iniciativa, não tem como você aumentar o faturamento da noite pro dia. Eu acho que é uma coisa que já é comentada. A gente tem uma aproximação muito grande com os GPRs (Grupo de Profissionais do Rádio), as associações propriamente ditas e, como eu já disse, sem uma iniciativa, você não tem como aumentar se não der uma contrapartida ao mercado. E qual é essa contrapartida? O que é que o Rádio não tem, que todo mundo reclama, que as outras mídias tem? Uma forma de aferição! Aferição de que? Se foi ao ar, como foi ao ar... esse é um dos grandes problemas.

RA - E esse convênio com a ABERT vai de encontro a isso?

PS - Vai. O convênio é o seguinte: a Crowley vai estar disponibilizando uma forma de monitoração remota, e não completa como a que nós temos nas praças onde a gente atua, vamos ceder a licença de um sisteminha nosso, que vai gravar a programação dela. Quando eu falo a programação, digo o irradiado, efetivamente. Ele vai mandar isso pra cá uma vez por semana, seja online, seja por CD...

RA - É um software ?

PS -É, um "FlexMonitor".

RA - E como funciona ?

PS - O software é como se fosse um gravador de áudio, só que você vai pegar um rádio e colocar sintonizado na Rádio dele. Como eu garanto que não é da mesa (de som)? A mesa tem um som muito mais limpo e o nosso sistema aqui reconheceria.

RA - E o convênio prevê que todas as emissoras do país vão entrar nessa ?

PS - Todas, assim funciona o convênio.

RA - E quanto tempo deve levar para implementar esse projeto ?

PS - Eu diria que de seis meses a um ano. Sabe por quê ? Eu diria que 50% das Rádios que são escopo disso, em seis meses elas estarão dentro dessa nova rede, que estamos chamando de "flexmonitoring". O nome tenta passar uma idéia de flexibilidade na monitoração.
Em relação específica ao interesse do radiodifusor, hoje, ele tem o problema da comprovação, e ele tem uma outra coisa que são as verbas governamentais. O radiodifusor precisa de dinheiro e os governos federal, estadual, municipal, precisam chegar em pequenas comunidades que não tem outro tipo de mídia. Ou seja, é o problema da "capilaridade". E o Rádio é um veículo muito "capilar", mais do que jornal... existe comunidade onde revistas chegam, numa quantidade muito pequena, uma vez por mês. Jornal, só o da capital ou da cidade mais próxima... mas ela tem uma radinho, nem que seja AM, ali. Ou então tem o sistema de alto-falantes da igreja. Ainda existe isso ! É uma realidade muito diferente da que nós temos nos grandes centros, mas existe isso. A gente tá muito acostumado a viver numa realidade Rio-São Paulo-Belo Horizonte, as capitais, que é uma realidade que, por mais que a gente ainda diga quando vai para o Norte do país, ou quando a gente entra um pouquinho no centro-oeste a gente acha uma realidade que já choca com a nossa realidade Rio-SãoPaulo, imagina o que é que você vai encontrar no interior do Mato-Grosso, de Goiás, Tocantins...

RA - Quais os tipo de relatórios que você vai soltar no mercado com esse convênio ?

PS - Na realidade, o que financia essa rede toda é o interesse de anunciante ou agência, pedindo para que se faça uma checagem. Pretendemos soltar relatórios de checking, eventualmente uma ou outra análise de como está a concorrência de produtos nessas rádios ou em algumas regiões específicas, basicamente isso, não tem muito além disso não.

RA - E a questão das músicas ?

PS - Bom, isso é um outro passo do convênio. Em final de março, início de abril, nós vamos estar disponibilizando um site - e aí já vai ser site - onde o radiodifusor, as gravadoras, as agências de publicidade, vão passar a ter acesso e distribuir o seu material através do site.

RA - E vocês vão disponibilizar também um ranking de execução de músicas no site ?

PS - Nessas Rádios do Flex, não. Não vou fazer músicas nessas Rádios.

RA - Aproveitando a deixa e mudando de assunto, o "ranking Crowley" bate de frente com o ranking da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos)?

PS - Não, eles são rankings diferentes e complementares. Qual a diferença entre os dois? O da ABPD traduz venda ao mercado, o ranking da Crowley traduz os esforços de marketing das gravadoras em colocar essa música como se coloca, não deixa de ser uma propaganda de produto, da mesma maneira ques as Casas Bahia estão comprando spots e tá colocando no ar, você tem uma representação das músicas que estão sendo mais tocadas. Seja por esforço de marketing, ou por recall do próprio ouvinte. Ou porque o programador da Rádio gostou... quer dizer, a gente têm essas questões.

RA - "Esforço de marketing" é eufemismo para jabá ?

(silêncio)

PS - Eu adoro jabá, querido... jabá com gerimum no nordeste é ótimo!(risos)

RA - Ok, vamos chamar de "esforço de marketing" mesmo... quando ele é, digamos, exagerado, não pega mal ?

PS - Não existe mais isso (jabá). Não tem mais verba.

RA - Quer dizer que acabou a verba do jabá ?!

PS - Não existe mais isso, cara. O mercado para as gravadoras está tão difícil no Brasil hoje... tem a questão da pirataria? Tem. Não há a menor sombra de dúvida que nós temos toda uma questão de pirataria. Só que você teve uma queda real do poder aquisitivo do cara que compra CD ! Se você pensar bem, hoje, e nem sempre é correto você fazer essa comparação, mas, em termos de preço unitário mundial, o CD produzido no Brasil é um dos mais baratos do mundo. Você compra um lançamento hoje por quanto ? Uns 30 reais ? São 12 dólares ! Isso você não paga por catálogo nos Estados Unidos ! Na Europa, é mais caro ainda.
Tudo bem, existe a questão do poder aquisitivo mas, veja bem, a despesa que uma gravadora tem lá, é a mesma que a gravadora tem aqui. O que acontece? Realmente, houve um encolhimento pesado do negócio... a própria ABPD tomou uma decisão muito acertada de diminuir o número de discos necessários para que os artistas fossem premiados com discos de ouro, esse negócio todo... foi diminuído. Por que isso aconteceu ? A realidade mudou ! E o pior de tudo: mudou pra pior.

RA - E mesmo assim o mercado continua interessante ?

PS - Música sempre vai ser um mercado interessante. Eu acho que as gravadoras estão descobrindo hoje outros formatos, repensando o negócio deles.

RA - Antes tarde do que nunca... certo ?

PS - É difícil você pegar uma corporação global e pedir que ela repense o formato em três anos. O nosso grupo, que não é gigantesco, tem dificuldades na hora de mudar.

RA - Mas o braço brasileiro das majors não tem uma certa autonomia pra lidar de um jeito diferente com o mercado daqui ?

PS - Tem, tem... como toda subsidiária, existe um limite de autonomia. Por exemplo: o mercado fonográfico brasileiro não tocou muito música eletrônica porque a autonomia pra isso era dos headquarters deles lá fora. Houve uma fase onde eles estavam proibidos de pensar no assunto. Por que? A definição precisava ser mundial... e tá certo, era um assunto sério e ninguém tava preparado pra resolver isso. Imagina uma coisa: de uma hora pra outra viram pra você e dizem: "olha, daqui a uns seis meses a sua revista vai morrer... vai faltar papel, ninguém mais vai querer comprar". Como você repensa isso ? Mesmo que a possibilidade de resolver esteja nas suas mãos, como você vai testar essa nova mídia? Você pode pegar uma corporação de um bilhão de dólares/ano e, se você passar um ano errando, você quebra essa corporação !

RA - Você tem conversado com as gravadoras sobre essa empreitada do i-pod (hardware que usa sistema de compra de músicas on line da Apple) ?

PS - Hum.. não. É uma coisa que ainda está muito mais nos Estados Unidos do que aqui.
Vamos voltar um pouquinho para a nossa realidade que, hoje, não é eletrônica. Ela é mais do que era no ano passado, mas a gente ainda não tem a "capilaridade" que os Estados Unidos têm de você poder pegar e efetivamente conseguir ser uma mercado mais eletrônico. Essa é uma das possibilidades. Olha o que estáa acontecendo agora: estão se fazendo uma série de testes.
Alguém vem com uma idéia, e a grande preocupação que as gravadoras tem é se essa idéia é segura, como toda razão do mundo, é a segurança em relação ao que é deles. Quando você desenvolve um software, existe um custo pra isso, que você não vai cobrar de uma pessoa só. A coisa vai ser vendida para um determinado número de pessoas... aí você empata o custo, depois vai ter um determinado lucro, essa coisa toda. Se alguém vem e rouba isso e começa a distribuir de graça...

RA - Bancando o Robin Hood ?

PS - Pode até ter sido Robin Hood no passado, só que hoje já não é mais. Com a queda do faturamento, aumento de pirataria... isso gera preocupação nos executivos de gravadoras. Todo mundo sempre falou que a gravadora ganhava demais. Ela até podia ter uma margem de lucro muito alta em um determinado produto, só que você tem que levar em consideração o seguinte: todas as gravadoras, e isso é muito característico se você olhar as décadas de 80 e 90, lançaram muita gente. A maioria, desapareceu... alguns ficaram. Esses que desapareceram, e não foram poucos, deram um prejuízo pra gravadora !

RA - Mas esses lançamentos mal-sucedidos não podem ter sido estratégias de marketing infelizes? Má gestão artística?

PS - Não, eu não diria isso... qualquer projeto - e eu venho de informática, tenho essa vivência - não é questão de você gerir ou não gerir, existe uma parte do projeto que você pode gerir com informações, com dados, aquele negócio todo, essa é a sua parte menos insegura de um projeto novo. Só que você tem uma outra coisa, que é o intangível, o impensável, que é, no caso de discos: vai cair no gosto da galera ou não vai ? E isso é a graça do negócio. Não adianta... se de dez, você acertar um, tá ótimo, lindo. E você tem que estruturar o seu negócio pra que esse um financie as nove porradas que você levou. O problema é que, hoje em dia o negócio encolheu tanto, que as pessoas estão tendo que ir "só se for na boa". Realmente não existe mais nenhum tipo de margem de erro, moving space. Quando você pega grandes artistas que vendiam dois ou três milhões de discos, hoje o mesmo artista bota 300 ou 400 mil cópias na rua, tá lindo ! E hoje, com essa realidade, dá um puta de um trabalho botar essa quantidade de discos nas lojas !

RA - E essa falta de 'margem de erro' faz com que caia a qualidade artística das produções ?

PS -Não do que já está estabelecido, mas o medo, a apreensão que se tem no mercado é a seguinte: como é que vai ficar o nosso acervo de música nacional daqui a 10 anos? Não se tem mais como investir em 10 pra tirar um que fique. E, infelizmente, sem dinheiro nada se movimenta. Tem artista que vende mais show do que disco, vende 50 ou 100 mil sempre. Tem um público cativo. A gravadora sabe que ele vende aquilo sem enormes investimentos.

RA - Voltando ao "FlexMonitoring"... você pretende soltar um ranking com os maiores anunciantes ?

PS - Já existe isso. Esse projeto têm dois passos: o primeiro é a gente possibilitar com o checking que comece a ter uma chegada maior de verbas pro Rádio. O veículo vai aumentar a verba? Vai. Mas eu acho importante que o anunciante tenha uma certa confiança de como ele chega e de chegar em lugares onde ele não chegava antes. Ou porque ele não sabia que tal Rádio existia... muitas vezes ele não sabia como chegar na Rádio, não sabia nem o telefone. na segunda fase, teremos um ranking que vai ser amostral, o geral nem tem sentido, custa muito. Quando a gente faz um ranking a gente lava a Rádio inteira: hoje em dia, nesses rankings que a gente solta, saem todas as músicas que foram executadas, todos os comerciais que foram veiculados, todas as promoções que foram ao ar durante o mês... algumas coisas a gente está fazendo em relação às notícias também. Rádio é uma coisa engraçada... quando você faz o checking em TV, existe o áudio e o vídeo, então você está num avião. Lidando com o Rádio, você está num submarino !

RA - Nós estamos em ano eleitoral... a Crowley vai mexer com política ?

PS - É um tipo de veiculação. Quem vai nos contratar são os partidos políticos, comitê de campanha ou coisa parecida. Ele vai, basicamente, querer verificar se as inserções que lhe são devidas estão lá, sendo veiculadas. A questão qualitativa, que eu acho que é muito interessante, é pegar o clipping e ver o que estão falando sobre os políticos. As negociações começam já, mas a história só pega fogo quando as campanhas começarem efetivamente.

RA - Bom, estamos chegando ao final da entrevista... quais os planos da Crowley daqui pra frente ?

PS - Olha, o foco da gente é literalmente pegar e consolidar essa parte do Mediaspot, tratar do aumento da rede, que vai ser uma coisa interessante para a empresa mas, principalmente, a atuação da Crowley tem que ser interessante para o mercado. somos uma empresa de auditoria e informação. E a informação tem que sempre fomentar o mercado.

RA - E como você está vendo o mercado agora ?

PS - Pior do que o ano passado, com toda aquela crise histérica pós-eleição, não vai ser. As pessoas devem ter cansado desse "medo do desconhecido". As coisas estão mais estáveis: dólar, risco Brasil... tirando o mercado financeiro e suas peculiaridades, a fase de histeria e medo coletivo em relação ao que o Lula faria ou deixaria de fazer, acabou, passou.

RA - Só mais uma perguntinha: nesse raio-x que a Crowley tira das Rádios, não sei se é possível descobrir o que toca por "esforço de marketing" ou vontade do ouvinte. No meio dessa história toda, dessa oficialidade das músicas de trabalho e afins, ainda existe espaço para um sucesso espontâneo no Rádio ?

PS - Existe sim. Continua tendo espaço e acontece. A gente tem aqui a determinação de algumas execuções de músicas que são de labels independentes. O independente é o "sem gravadora", seja o selo grande, médio ou pequeno. E a abertura disso muitas vezes é do radialista. O cara leva pra emissora e bota pra tocar porque gostou ! Quem adora fazer isso, por exemplo, é a FM O Dia que, diga-se de passagem, é a Rádio que, isoladamente, tem a maior audiência do país ! Ela toca uma quantidade razoável de selos independentes, gente sem gravadora. Ela dá essa abertura e não é uma Rádio fraquinha, pelo contrário, é a maior audiência desse país. Agora, Rádio, assim como uma gravadora, é um negócio... os donos precisam gerenciar da como melhor vêem o mercado, afinal, cada um sabe onde o próprio calo aperta.

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